O blues, o banzo, o samba-canção. Qual a cor da poesia? Qual a língua capaz de expressar o sentimento de uma raça que não é raça, de uma cor que não é cor, de uma dor que transcende a compreensão de quem nunca a experimentou. Ser outro na sua própria terra. Ver no outro a impureza do incolor (parafraseando, claro, Drummond). Langston Hughes (1902-1967), poeta norte-americano, conseguiu expressar tudo isso sendo negro numa terra de brancos. Os seus poemas são, no mínimo, vigorosos. São blues. Tentar traduzir blues é, mais ou menos, um americano procurar traduzir saudade. Tem certas coisas que não se traduzem, palavras principalmente. Deve-se senti-las. Não algo pontual, feito alfinetada. Mas contextual: corpo lavado em uma cachoeira.
Poema
Todos os sons da selva palpitam no meu sangue,
E todas as luas quentes e selvagens da selva brilham na minha
Alma.
Tenho medo desta civilização –
Tão rígida,
Tão forte,
Tão fria.
…
Saídas
O mar é profundo,
A faca é afiada,
E o ácido do veneno queima —
Mas todos trazem descanso,
Todos trazem a paz
Que a alma cansada
Tanto espera.
Todos trazem o descanso
Na ausência
De onde
Alma alguma retorna.
…
Cansado
Estou tão cansado de esperar,
Para que o mundo torne-se bom
Belo e gentil,
Você não?
Vamos pegar uma faca
E cortar o mundo em dois,
E ver o que os vermes estão comendo
Na casca.
…
Fim
Não existem
Relógios nem paredes,
E não existe tempo,
Não há sombras que se movem
Pelo assoalho
Desde o amanhecer até o crepúsculo.
Também não há luz
Nem escuridão
Do lado de fora da porta.
Não existe porta!