Poemas de Júlio Machado

Leia os poemas "Ângelus" e "Arquitetura"
Marcelo Nogueira
01/08/2004

Ângelus

Sob o sono dos sinos, silente,
o caminho velho,
de ferro entre os telheiros.

Telégrafos telégrafos telégrafos
de interrompidos fios, hirtos
restos de renda, sem bilros.

Moleza discreta de insetos,
frios no chão de areia
ou sob o oco da madeira:
dormentes, urupês, orelhas.

Apenas, leves, borboletas,
amarelo sobre a ausência de cabeças,
o prisco rasgo de céu azul,
sem sutilezas.

O viés ameno de um vento,
o obrar em esculturas de esterco
seco, em alto e baixo
relevo.

Muro branco de azulejos,
pele de reboco entre avenca
e fendas, resguardo do que foi,
se já não era. Heras.
Heras.

Bocejo ao longe,
parco fôlego em carvão e bronze
do último trem, que não viera.

Um resto de banco, o chicote, o colchete,
bota e esporas do estafeta,
cuja boca, que hoje escarra,
já não beija.

E um medo em mim,
que vejo, de que a vida
isso mesmo (e só)
seja.

Arquitetura

Não, não penetra
o pênis carne alguma.
Apenas se move
no oco, onde se esfuma,
em estulto volume
ou baixa estatura.
Bole onde se encaixa,
perdura, dilata-se
no berço em que se deita,
estreita faixa, ranhura,
de onde (supõe) brotará
em noite cerrada ou pleno dia,
riso rígido em secura,
não o gozo (que não vira),
mas o choro de um novo ser
em sua nova carnadura.

Júlio Machado

Autor de O Itinerário dos óleos.

Rascunho