Poemas de John Donne

Leia os poemas traduzidos "Elegia xix: indo para a cama" e "A pulga"
John Donne, poeta jacobita inglês, pregador e o maior representante dos poetas metafísicos da época
01/04/2002

Apresentação de Fernando Mendonça
Tradução de Paulo Visioli

Escritos há cerca de quatro séculos, os poemas mundanos do inglês John Donne (1572-1631) permanecem populares e atuais. O compositor Caetano Veloso, que usa alguns versos do poeta na música Elegia, é um de seus admiradores. Contemporâneo de Shakespeare (1564-1616), Donne levou uma vida de fortes guinadas. Nasceu católico, uma condição de alto risco na intolerante Inglaterra de seus dias. Morreu deão na Catedral de São Pedro, um alto posto na hierarquia da Igreja Anglicana, festejado como o maior orador sacro do país. Trocou de religião para livrar-se de discriminações. Logo chegou à invejável posição de secretário do chanceler-mór do reino, lorde Egerton, mas pôs tudo a perder ao casar-se em segredo com a sobrinha do aristocrata, Anne More, que lhe deu dez filhos e monumentais aborrecimentos. Demitido e perseguido pelo lorde, só encontrou espaço na carreira eclesiástica. Em tempo: os poemas eróticos são obra de sua juventude, possivelmente da fase em que, conhecido por “Jack” Donne — Joãozinho Donne —, era aplicado freqüentador de festas, teatros e lençóis femininos.

Elegia xix: indo para a cama

Vem, oh, senhora, vem, que ócios não me permito;
fico agitado toda vez que não me agito.
Quando o inimigo ao inimigo espreita e escuta,
Mais se cansa da espera que da própria luta.
Tira este cinto, cintilante anel celeste,
Que em torno a um mundo mais formoso dispuseste.
Desprende logo o peitoral onde lusis,
Que barra os olhos dos xeretas imbecis.
Despe-te, pois o carrilhão sonoro chama,
Dizendo a mim que a hora chegou de ir para a cama.
Abre o teu espartilho que eu invejo em tudo:
Contudo ele te abraça; e se mantém, contudo.
Tua saia ao caro revela tal primor,
Que é igual à sombra a se afastar do campo em flor.
Fora a coroa entrelaçada de metal;
Solta os cabelos, diadema natural.
Tira os sapatos e, sem medo, ora te avia
Ao sacrário do amor, à cama tão macia.
Com essas vestes cândidas, do céu amigo
Os anjos vinham. Anjo meu, traze contigo
Um paraíso igual ao de Maomé; e embora
Haja espíritos maus também de branco, agora
Sabe-se bem qual anjo é mau, e o bom qual é:
Um deixa em pé os cabelos, o outro a carne em pé.
Concede uma licença à minha mão errante,
Para ir ao meio, encima, embaixo, atrás, adiante.
Oh, minha América! Oh, meu novo continente,
Meu reino, a salvo porque um homem tens à frente.
Tenho aqui minhas minas, meu império aqui;
Que abençoado sou por descobrir a ti!
Nudez completa, da alegria o cerne polpa!
Como a alma sai do corpo, o corpo sai da roupa
Para o prazer total. A jóia da mulher
É a maçã de Atlanta, que a sua dona quer
Lançar aos tolos, a que, vendo a gema bela,
Pensem sequiosos no que é dela, e não mais nela.
Como pintura, ou capa de volume, feita
Visando aos leigos, a mulher também se enfeita;
Mas a obra é mística, e seu tema se explicita
Somente àqueles que a graça nobilita,
Como nós. Sendo assim, que eu te conheça inteira;
Sem pejo vem, e, como diante da parteira,
Mostra-te a mim. Atira longe a vestimenta:
Para a inocência a punição não se apresenta.
Que esperas? Estou nu… e as horas se consomem.
Mais cobertura tu desejas do que um homem?

A pulga

Nota esta pulga, e nota, através dela,
Que o sangue que me negas é uma bagatela;
Tendo sugado a mim, e a ti depois,
Nela se mescla o sangue de nós dois;
Sabes que isso não pode ser chamado
Defloração, vergonha, nem pecado;
Ela, no entanto, rude e ousada,
De sangue duplo se reforma empanturrada,
E, perto disso, o que desejo, ai!, não é nada.
Pára! Três vidas poupa este momento,
Onde houve quase… oh, mais que um casamento.
Somos a pulga, e a nós ela é perfeito
Templo de núpcias e de núpcia leito;
Contra ti e teus pais a união se deu
Nesse claustro murado em vivo breu.
Matando-me pela honradez,
Praticarás o suicídio a uma só vez,
E o sacrilégio, três pecados pelos três.
De púrpura manchaste, sem clemência,
As unhas com o sangue da inocência?
Essa pulga seria tão daninha,
Só por te haver sugado uma gotinha?
Porém, exultas, porque após tal morte
Nenhum de nós se mostra menos forte
Bem, vê como o temor é ruim;
Perderás tanto de honra ao vires para mim.

John Donne

Poeta jacobita inglês, pregador e o maior representante dos poetas metafísicos da época.

Rascunho