Poemas de Jennifer Moxley

Leia os poemas traduzidos "O que foi aquilo?", "Música orbital", "A atrofia da vida privada" e "Grinalda de um ano parecido"
Ilustração: FP Rodrigues
01/10/2025

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

What was it?

I was eating my dinner alone,
sitting on the living-room couch
watching a movie on TV for company
when the forces your covetous presence prevents
slowly crawled out in fibrous droves.

Without you to follow me with your
clipboard, or record the game my face plays,
masquerading as a cryptic territory
and your field of study, the energy maggots
turned the furniture into an ectoplasmic
mass with the weight of iron: soft but
resistant, a taut balloon against the hand.

Hypnotized by the atmosphere I fell asleep,
and the chair took revenge on my psyche.
I could not scream, so I focused my will
on pushing back against the animate matter.
I was near failing when I managed to utter
the word “dove,” and then you shook me awake.

“Stop,” stop fighting with the furniture, you said.
Yet something I could not see pushed hard
against me, and it was not a force for good.
My vocal cords were paralyzed and the language
of the living was the only way to stop it.

O que foi aquilo?

Eu estava jantando sozinha,
sentada no sofá da sala
com um filme na TV como companhia
quando as forças que sua presença avarenta bloqueia
lentamente emergiram em multidões pegajosas.

Sem você para me seguir com sua
prancheta, ou registrar o jogo que meu rosto encena,
disfarçado como um território enigmático
e seu campo de estudo, os vermes de energia
transformaram os móveis em uma massa ectoplásmica
pesada como ferro: macia, mas
resistente, um balão cheio na mão.

Hipnotizada pela atmosfera, adormeci,
e a cadeira se vingou da minha psique.
Como não conseguisse gritar, me concentrei
em me ver livre daquela coisa.
Eu estava a ponto de fracassar quando consegui balbuciar
a palavra “pomba”, e então você me sacudiu para me despertar.

“Pare”, você disse pare de brigar com os móveis.
No entanto, algo que eu não conseguia ver me pressionava
com força, e não era uma força benevolente.
Minhas cordas vocais estavam paralisadas e a linguagem
dos vivos era a única maneira de interromper aquilo.

Ilustração: FP Rodrigues

Orbit music

A creamy tear descended here when Cupid squeezed the teat
of Venus. Dripping down the Milky Way it puddled beneath
old oak, new pine. Love’s selfish thirst did pluck a cosmic note,
set every entombed entangled bit of me in roots both new
and old to singing. I was become in earth and by harmony
a million bits of tongue and ear, sound funnels upwhorled
in song conducting cones. Fresh music from old flesh
corrected my (most melancholy) record of this last go round
the planet. Now I was first things: elementals, vegetable
and mineral in form, dust to kick it on the breeze,
loam to feed old oak, new pine, Eros-greedy energy
on hunt for nourishment, cream to suck, breast to squeeze.

Música orbital

Uma lágrima cremosa escorreu aqui quando Cupido apertou os seios
de Vênus. Gotejando pela Via Láctea, ela se encharcou sob velhos carvalhos,
novos pinheiros. A sede egoísta do Amor colheu um bilhete cósmico,
depositou cada pedaço amassado e sepultado de mim em raízes muito novas
e muito velhas para cantar. Eu me tornei pela harmonia, na terra,
um milhão de fragmentos de língua e ouvido, chaminés de sons em espirais
condutores de canções. A música fresca da carne velha
corrigiu meu (mais melancólico) registro desta última órbita
pelo planeta. Agora eu era as coisas primevas: elementais, vegetais
e minerais em forma, poeira para chutar na brisa,
barro para alimentar velhos carvalhos, novos pinheiros, energia ávida de Eros
em busca de nutrição, creme para chupar, seios para apertar.

Ilustração: FP Rodrigues

The atrophy of private life

In the heavy fashion magazines strewn here and there around the house the photos of objects and people mouth the word “money,” but you, assuming no one wants you anymore, mishear the message as “meaning.” Arousal follows. The lives of the rich are so fabulous! The destruction of the poetical lies heavily on their hands, as on their swollen notion that we are always watching. There is nothing behind the mask. Nothing suffocating under its pressure, no human essence trying to get out.

Awareness, always awareness. Don’t you see how these elaborate masks are turning you into a zombie? The private life is not for the eye but for the endless interior. It is trying to push all this crap aside and find the missing line. Nobody, least of all the future, cares about the outcome of this quest.

It is easy to lose, through meddling or neglect, an entire aspect of existence. And sometimes, to cultivate a single new thought, you need not only silence but an entirely new life.

A atrofia da vida privada

Nas grossas revistas de moda espalhadas pela casa, há fotos de objetos e pessoas pronunciando a palavra “dinheiro”, mas você, presumindo que ninguém mais a deseja, interpreta errado a mensagem como “sentido”. Cresce a excitação. A vida dos ricos é tão bacana! A destruição do poético pesa muito nas mãos deles, assim como em sua noção distendida de que estamos sempre a observá-los. Não há nada por trás da máscara. Nada sufocando sob a pressão, nenhuma essência humana tentando escapar.

A consciência, sempre a consciência. Você não vê como essas máscaras elaboradas estão te transformando num zumbi? A vida privada não é para os olhos, mas para o interior infinito. Ela está tentando empurrar toda essa porcaria de lado e encontrar um sentido que está ausente. Ninguém, muito menos o futuro, se importa com o resultado dessa busca.

É fácil perder, por intromissão ou negligência, um aspecto inteiro da existência. E às vezes, para cultivar um único pensamento novo, é necessário não apenas o silêncio, mas uma vida inteiramente nova.

Ilustração: FP Rodrigues

Wreath of a similar year

A circlet ring of light
beneath our feet
a door, a possible path
of very best will,
placed before us
in infinite intervals.
Such facets of mind
might sustain us
if luck runs over, or love
provide the lost,
more bodily
forms of warmth.

The inconsolable mind
has created
abundant distress—
the scarcity required
to bury a world
of living evidence.
Abandoned so, in an idea
of innermost anguish,
we have become accustomed
to the unheard music,
the quiet accompaniment
of water,
being disturbed within.

Thought intent
upon contentment
may temper the guests of our greater being,
unearth
the hourly questions
burned down from youth
with energy and light. As in the wake
of awakening
wrong attempts
and wrongful death
will fall adjacent
careful Hope.

Hope,
how strangely of untold direction
it sounds, blind as
the first letter on the first stone
written down
as if a wreath to circle
the last sound spoken
on some distant, though similar
Earth.

Grinalda de um ano parecido

Um círculo de luz
sob nossos pés
uma porta, um caminho possível
de muita boa vontade,
aberto diante de nós
em infinitos intervalos.
Tais facetas da mente
podem nos sustentar
se a sorte nos atropelar, ou o amor
proporcionar formas mais físicas,
e perdidas,
de afeto.

A mente inconsolável
criou
angústia em excesso —
a necessária escassez
para enterrar um mundo
de evidências vivas.
Abandonados assim, numa ideia
de angústia íntima,
nos acostumamos
à música inaudível,
ao acompanhamento tranquilo
da água,
sendo perturbados por dentro.

O pensamento voltado
para o contentamento
pode temperar os hóspedes do nosso íntimo,
e desenterrar
as perguntas do momento
queimadas desde a juventude
com energia e luz. Como na esteira
do despertar
tentativas erradas
e morte injusta
cairão ao lado
da cuidadosa Esperança.

Esperança,
quão estranhamente sem direção
soa, cega como
a primeira letra na primeira pedra
escrita
como uma coroa de flores para circundar
o último som proferido
em alguma distante, embora semelhante
Terra.

Jennifer Moxley
Nasceu em San Diego, Califórnia (EUA), em 1964. Professora de criação literária e tradução na Universidade do Maine, publicou livros de poesia como Clampdown (2009), The open secret (2014) e Druthers (2018), além de ensaios e traduções, consolidando-se como autora de referência em debates sobre o papel da poesia no mundo atual. Moxley é uma das vozes poéticas mais instigantes de sua geração, escrevendo uma poesia que consegue ser, ao mesmo tempo, lírica, cética e amarga.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhasCemitérios, Exílio, entre outros.

Rascunho