Poemas de James Schuyler

Leia os poemas traduzidos "Luz do dia", "Bom dia", "O céu devora as árvores", "Na Praia", "Outubro", "Canção", "Poema", "A luz de dentro"
James Schuyler, poeta americano
08/02/2015

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

Daylight
And when I thought,

“Our love might end”
the sun
went right on shining

Luz do dia
E quando eu pensei,
“Nosso amor pode acabar”
o sol
entrou direto brilhando

…..

Good morning
morning, or heartache. In

the night it rained
it misted. The walks
are dark with it, the grass
is thick with it. In
resignation I
doff my walking shorts,
put on elephant hide,
or Levi’s. Bitter coffe.

Rae turns to me and
speaks her rage
but gently as gentle
woman would. The night
nurse means well, is
something else jabbering
loudly in the hall
at night. An over-
ripe banana. I have yet to learn
to speak my rage.

Where I go books
pile up. Constable’s
letters, Balzac,
Afternoon Men. It’s
cool enough to
shut the window. So
I do. Silver day
how shall I polish you?

Bom dia
manhã, ou angústia. De
noite choveu
ficou nublado. As calçadas
estão escuras, a grama
está escura. Com
resignação, eu
tiro meus shorts de caminhar,
visto roupa de couro,
ou Levi’s. Café amargo.

Rae se volta para mim e
fala de sua raiva
mas suavemente como uma suave
mulher faria. A enfermeira noturna
se comporta bem, tem alguma
outra coisa batendo
forte no corredor
à noite. Uma bana-
na passada. Eu ainda tenho que
aprender a externar minha raiva.

Aonde quer que eu vá os livros
se empilham. Cartas de
Constable, Balzac,
Afternoon Men. Faz
frio a ponto de se
fechar a janela. Então eu
o faço. Dia prateado,
como eu poderei polir você?

…..

The sky eats up the trees
The newspaper comes. It

has a bellyful of bad news.
The sun is not where it was.
Nor is the moon. Once so
flat, now so round. A man
carries papers out of the
house. Which makes a small
change. I read at night.
I take the train and go
to the city. Then I come
back. Mastic Shirley,
Patchogue, Quogue. And for
all the times I’ve
stopped, hundreds, at their
stations, that’s all
I know. One has
a lumberyard. The sun
puts on its smile.
The day had a bulge
around three p.m. After,
it slips, cold and quiet,
into night. I read
in bed. And in the a.m.
put a record on to
shave to. Uptown in a
shop a man has blue
eyes that enchant. He
is friendly and inter-
esting to me, though he is
not an interesting man.
Bad news is a funny kind
of breakfast. An addict
I can scarcely eat my
daily crumble without
its bulk. I read at
night and shave when
I get up. That’s true.
Life will change and
I am part of it and
will change too. So
will you, and you, and
you, the secret — what’s
a secret? — center of
my life, your name and
voice engraved like
record grooves upon
my life, spinning its
tune between the lines
I read at night, a
graffito on the walls
of flowered paper I
see, looking up from pages
of Lady Mary
Wortley Montague or
a yellow back novel.
A quiet praise, yes
that’s it, between the
lines I read at night.

O céu devora as árvores
O jornal chega. Ele
está empanturrado de más notícias.
O sol não está onde estava.
Nem a lua. Antes tão
plana, agora tão redonda. Um homem
carrega papéis para fora da
casa. O que provoca uma pequena
mudança. Eu leio à noite.
Eu pego o trem e vou
à cidade. E depois eu
volto. Mastic Shirley,
Patchogue, Quogue. E mesmo
tendo parado tantas
vezes, centenas, em suas
estações, isso é tudo
o que eu sei. Uma tem
uma madeireira. O sol
mostra seu sorriso.
O dia se expande
por volta das três da tarde. Depois,
ele desliza, frio e calmo,
rumo à noite. Eu leio
na cama. E de madrugada
eu ponho um disco para
me barbear. Na cidade numa
loja um homem tem olhos
azuis que encantam. Ele
é amigável e me parece interes-
sante, ainda que não seja
um homem interessante.
Notícia ruim é um tipo engraçado
de café da manhã. Viciado,
eu mal consigo comer minha
ração diária sem
seu recheio. Eu leio à
noite e me barbeio quando
me levanto. Isso é verdade.
A vida vai mudar e
eu sou parte disso e
vou mudar também. E também
você, e você, e
você, o secreto — o que é
secreto? — centro da
minha vida, seu nome e
voz entalhados como
as ranhuras de um LP na
minha vida, rodando sua
música entre as linhas
Eu leio à noite, um
grafite nas paredes
de papel florido eu
vejo, olhando por sobre as páginas
de Lady Mary
Wortley Montague ou de
um romance antigo barato.
Um silencioso louvor, sim,
é o que é, entre as
entre as linhas que leio à noite.

…..

At the Beach
On the Fourth of July at the beach,

the kids from the next cottage
lit sparklers. As fast as they
ran, they seemed from our porch
not to run fast at all (Spark
stars wavering, the detonating
waves, a hot sky, little wind.)
We sat on the porch in the dark
after the last sparklers, each
speaking in turn till the wind
rose, then went in ourselves.

Na Praia
No feriado de 4 de julho, na praia,
as crianças do chalé vizinho
acendem fogos de artifício. Por mais rápido
que eles corram, parecem, da nossa varanda
não correr nada rápido (Estrelas
de fogos flutuando, as ondas de
detonação, um céu quente, pouco vento.)
Nós nos sentamos na varanda, no escuro
depois dos últimos estouros, um por vez
falando até que ventasse
mais forte, e então nós entramos.

…..

October
Books litter the bed,

leaves the lawn. It
lightly rains. Fall has
come: unpatterned, in
the shedding leaves.

The maples ripen. Apples
come home crisp in bags.
This pear tastes good.
It rains lightly on the
random leaf patterns.

The nimbus is spread
above our island. Rain
lightly patters on un-
shed leaves. The books
of fall litter the bed.

Outubro
Livros bagunçam a cama,
folhas, o gramado. Cai
uma chuva fina. O outono
chegou: atípico, nas
folhas que caem.

Os plátanos amadurecem. Maçãs
vêm para casa suculentas em sacolas.
Esta pêra está gostosa.
Chove fraco sobre
as folhas desarrumadas.

A nuvem pesada se espalha
Por sobre nossa ilha. A chuva
tamborila levemente nas fo-
lhas que não caíram. Os livros
de outono bagunçam a cama.

…..

Song
The light lies layered in the leaves.

Trees, and trees, more trees.
A cloud boy brings the evening paper:
The Evening Sun. It sets.
Not sharply or at once
a stately progress down the sky
(it’s gilt and pink and faintly green)
above, beyond, behind the evening leaves
of trees. Traffic sounds and
bells resound in silver clangs
the hour, a tune, my friend
Pierrot. The violet hour:
the grass is violent green.
A weeping beech is gray,
a copper beech is copper red.
Tennis nets hang
unused in unused stillness.
A car starts up and
whispers into what will soon be night.
A tennis ball is served.
A horsefly vanishes.
A smoking cigarette.
A day (so many and so few)
dies down a hardened sky
and leaves are lap-held notebook leaves
discriminated barely
in light no longer layered.

Canção
A luz repousa em camadas sobre as folhas.
Árvores, e árvores, mais árvores.
Um garoto nublado traz o jornal da tarde:
The Evening Sun. Vai se firmando.
Não bruscamente ou de uma vez,
algo soberbo vem surgindo céu abaixo
(é dourado e rosa e verde-escuro)
acima, além, atrás, das folhas da tarde
das árvores. Ruídos do trânsito e
sinos em badalares prateados ressoam
dando a hora, uma melodia, meu amigo
Pierrot. A hora violeta:
a grama é violentamente verde.
A faia chorosa é cinza,
a faia cor de cobre é vermelho-cobre.
Redes de tênis dependuradas
sem uso repousam sem uso.
Um carro dá a partida e
sussurra para dentro do que logo será a noite.
Uma bola de tênis é batida.
Uma mutuca desaparece.
Um cigarro sendo fumado.
Um dia (tantos e tão poucos)
morre diante de um céu pesado
e folhas são folhas de caderno no colo,
as quais mal se pode discriminar
sob uma luz já não mais em camadas

…..

Poem
I do not always understand what you say.

Once, when you said, across, you meant along.
What is, by its nature, on display.

Word’s meanings count, aside from what they weigh:
poetry, like music, is not just song.
I do not always understand what you say.

You would hate, when with me, to meet by day
What at night you met and did not think wrong.
What is, is by its nature, on display.

I sense a heaviness in your light play,
a wish to stand out, admired, from the throng.
I do not always understand what you say.

I am as shy as you. Try as we may,
only by practice will our talks prolong.
What is, is by its nature, on display.

We talk together in a common way.
Art, like death, is brief: life and friendship long.
I do not always understand what you say.
What is, by its nature, on display.

Poema
Eu nem sempro entendo o que você diz.
Uma vez, quando você disse, através, você queria dizer durante.
O que é, pela sua natureza, evidente.

O significado das palavras conta, à parte o que elas pesam:
poesia, assim como a música, não é apenas melodia.
Eu nem sempre entendo o que você diz.

Você detestaria, quando comigo, encontrar de dia
O que você quando à noite encontra e não acha ruim.
O que é, pela sua natureza, evidente.

Eu sinto um peso em sua atividade diurna,
um desejo de ficar de fora, sob admiração, na plateia.
Eu nem sempre entendo o que você diz.

Eu sou tímido quanto você. Por mais que tentemos,
somente com a prática nossas conversas avançarão.
O que é, pela sua natureza, evidente.

Nós falamos juntos de um jeito igual.
A arte, como a morte, é breve: vida e amizade, longas.
Eu nem sempre entendo o que você diz.
O que é, pela sua natureza, evidente.

…..

The light within
and the light without: the shadeof a rainy April morning:

subtle shadow
cast backward by lamplight
upon a daylight,
the essence
of cloud cover
descending mistily into the street:
and the unwhitely
white surround of a curling photograph
models itself
as north light
modeled the face in the photograph:

and against a windows
a tree shows
each lightly tinted leaf
another shadowy shade, some
transparently, some
not: and, in the corner
the dark bisected
by the light that falls
from without (created
by its absence)
lies luminous within itself
the luminous dark within.

A luz de dentro
e a não luz de fora: a chuvosa e
sombria manhã de abril:
delicadas sombras
lançadas para trás pela luz das lâmpadas
em plena luz do dia,
a essência
da capa de nuvens
descendo em névoas para a rua:
e o não branco
branco envolvendo a fotografia enrolada
dando forma a si mesmo
como a luz do norte
deu forma à face na fotografia:

e diante de uma janela
uma árvore exibe
cada levemente tingida folha
mais uma sombria sombra, algumas
transparentemente, outras
não: e, na esquina,
a escuridão cortada
pela luz que cai
de fora (criada
pela sua ausência)
repousa luminosa dentro de si:
a luminosa escuridão de dentro.

…..

A White City
My thoughts turn South

a white city
we will wake in one another’s arms.
I wake
and hear the steampipe knock
like a metal heart
and find it has snowed.

Uma Cidade Branca
Meus pensamentos se voltam para o sul
uma cidade branca
nós vamos acordar nos braços um do outro.
Eu acordo
e ouço o cano do aquecimento batendo
como um coração de metal
e descubro que nevou.

James Schuyler (1923-1991)
Foi uma das figuras centrais na chamada New York School, que, entre as décadas de 50 e 70, juntando poetas, artistas plásticos, músicos, dramaturgos e coreógrafos, colocou Nova York decididamente no centro da arte de vanguarda mundial. Ali estavam, colaborando mutuamente, centenas de artistas, como John Cage, Merce Cunningham e Jackson Pollock. O Cool Jazz, a Pop Art e o Abstracionismo explodiam, e os poetas da cidade respiravam e transpiravam aquele ar.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho