O que a poesia me segredou eu traio.
Sou o traidor da intimidade noturna.
Adverte-te, mundo:
Ela vem com seus braços brancos
Para que neles te fixes enquanto molha-te a língua.
(Fácil é descuidares deste gosto fugaz de Deus:
A beleza pode conter o céu e o inferno, adverte-te também.)
E nada mais: vai-se quando ciciam os sabiás:
“Chega já a aurora” —
E assim não vê nunca a que cantou Homero,
A dos dedos róseos,
Esta que cedo desponta.
…
Ouvistes o que foi dito, isto
De que faríeis coisas
Maiores que estas.
Ora, é bem verdade,
Mas operamos também nós
Nossos pequenos milagres de baixeza:
O converter em chão cintilante
Este solo lodoso que pisamos,
Que de quatro damos à boca
Em disfarces de delicadeza.
…
É preciso perdoar tudo.
É preciso perdoar — mesmo — este não saber dizer teu nome
E ser ouvido.
Perdoa-o, cumpriram-se as Escrituras: temem o teu nome e o poeta,
Se o grita, ouvem murmúrio e só
Que volteia o sol poente.
Ao chão descer incólume,
Ser sussurrado no quarto
Como confidência,
O que resta é isso a este nome que fica
Para desdobrar a folha da vida,
Mais: para que tenha só frente, folha branca
Sem verso.
…
Hoje (como autor de diário escrevo),
Na segunda vigília o visito,
Nela — mais: — o tateio
(Tendo corpo por cais eu redijo)
Porto de solo sequioso,
Ancoradouro achado que beijo,
O que quer o orvalho completo,
Este errante, úmido, inteiro.