Lagoa
Pampulha. Pampulha. Pampulha.
Voa à deriva a ave sim vermelha
à esquerda de quem tanto olha
pois tanta maravilha é quase falha
Longe, ao que parece, a lua brilha
Na superfície da lagoa mexem-se folhas,
e agora é que no lado oposto mergulha
a ave, distraindo quem não percebe
o discreto gesto de adeus dos solitários
que se atiram em suas velhas águas.
…
Azuis de Ticiano
Com a certeza de que
nada é mais humano que o azul
(há controvérsias)
a antropóloga estudou
os azuis de Ticiano
durante 30 anos em Veneza.
Especializou-se em azuis.
Ao primeiro olhar, reconhecia
o azul do céu de Madri
E as nuances que o diferenciam
do céu de maio de Belo Horizonte.
Entre os mais de 100 tons
de azul, podia dizer:
este peixe é cerúleo
este mar é lápis-lazúli
esta planta é azul da Prússia
(o mesmo azul
da fase azul de Picasso).
Distinguia os tons do azul
mais intenso ao azul-piscina.
Agora, tantas décadas passadas,
tem a convicção necessária para afirmar,
acima de toda autoridade:
decididamente este azul pertence
aos azuis de Ticiano.
…
Canção para a cidade que sonha
Da janela se vê
o mundo que começa
na rua Milton Santos
Há tempo para o periscópio
tempo para a gentileza
na avenida Nise da Silveira
Olha a menina, a menina lá
com fome de vertigem
na ponte Garrincha
No memorial Bispo do Rosário
ninguém sai de fininho
à espera do inesgotável
Há o gol o gonzo o banzo
o engenho trapizonga
na casa de repouso Hélder Câmara
Estamos de passagem
no aeroporto Tom Jobim
Dizem que há alguém feliz
no edifício Sobral Pinto
Há tempo para uma nódoa
Há tempo para incêndio
na rua Dorothy Stang
No entanto, vencemos
todas as causas perdidas.
É porque há uma rua chamada
Carlos Drummond de Andrade
que podemos pensar assim
Agora o mundo começa
da mínima esperança
na avenida Pixinguinha
A janela quer
mais