Carne culta no amor que se desama
De tanto amar um só e dele os muitos,
Incontáveis lugares e minutos
E rostos em que flana a sua flama
É a só que sobe a antrópica montanha
E só se o pensamento exato e enxuto
Não for culto de formas, mas for culto
Em armar aranhóis, absorta aranha.
Assim, se a carne sobe, numa teia
Do pensamento arácnido quem sabe
Se mais lúcida abelha não se enleia
E alumia o que a carne só não sabe.
É um outro amor, este do pensamento;
Um brilho, um voo, um eco, um raio, um vento.
…
É o pensamento, pois, que se despoja
Da série monocórdia de sinapses
E entre lobos e córtices se arroja
Tão vária e velozmente que num lapso
O sistema ancestral cai em colapso;
E o pensamento, puro do que enoja,
Como luz e calor na mesma tocha,
Converge em raros, rarefeitos ápices;
Mas, ai, que a carne clama, inda que douta,
E, socolor de cíclico equilíbrio,
O sistema caído se levanta;
No breu de um pensamento já sem brio
O cérebro soletra coloidal
E a nova se enovela, e é o velho mal.
…
Mal da fosca frieza que descreve
A maligna engrenagem do relógio
E o minuto e o segundo, como fogem,
E como corre o mal e quanto ferve;
A arquivolta, a arquitrave e os tramos lógicos,
Alaques e predelas que refervem
De nervuras nublosas e da verve
De ornatos flóreos e ornitológicos;
Mas o mal não evita, quando vem;
Mas o bem, quando foi é que o adora;
E um conhece se aflui, o outro se falta;
Desce aos detalhes e os descreve bem,
Mas, atômico número do ouro,
Não sobe nem reflete nem refrata.