Tradução e seleção: André Caramuru Aubert
The path
There is so little to go on: a pale
trembling hand as I stand over you,
my finger tracing the words on the page,
a foreign language you are learning
for a journey without me. You will do
fine, I say. You will wrap your tongue
around these sounds and be understood,
be given what you desire: a loaf of bread,
change for your money, an antique doll
with violent eyes. Paintings are hanging
on walls, behind glass, waiting for you
to admire them. Their plaintive beauty
will move through you and you will walk
back to your hotel through the park
I know well. I spent years there walking
its bridle path, a gray cat in my arms,
moving toward you, blind, in another life.
A trilha
Há tão poucas pistas com as quais seguir: uma mão trêmula,
pálida, enquanto estou sobre você,
meu dedo traçando as palavras na página,
uma língua estrangeira que você está aprendendo
para uma jornada sem mim. Você vai se sair
bem, eu digo. Você vai embrulhar sua língua
em torno desses sons e irão te compreender,
para você conseguir o que quiser: uma fatia de pão,
um troco, uma boneca antiga de olhos
violentos. Pinturas estão penduradas
nas paredes, atrás de vidros, esperando que você
as admire. A beleza lamuriosa vai se mover
através de você e você irá caminhar
de volta para o hotel pelo parque
que conheço tão bem. Passei anos nele, caminhando
por sua trilha estreita, um gato cinza em meus braços,
movendo-me rumo a você, cega, numa outra vida.
…
Glenn Gould, dead at 50
It is darker where I am.
I cannot tell, holding my hand
over one eye, if its female there.
At six,
I multiplied endlessly
and began to feel close
to sacrifice.
The music took root
inside, like torture,
all tension, ritard, release.
It is in every part
of my body now, and there is not
room left for me.
I have burned
all my capes, got rid of my papers.
Glenn Gould, morto aos 50 anos
Está mais escuro aqui onde estou.
Não consigo dizer, apertando minha mão
sobre o olho, se há mulher ali.
Aos seis,
eu me multipliquei infinitamente
e comecei a me sentir perto
do sacrifício.
A música criou raízes
Aqui dentro, como uma tortura,
É tudo tensão, lentidão, alívio.
Está agora em cada parte
do meu corpo, e não há qualquer
espaço para mim.
Eu queimei
todas as capas, joguei fora os papéis.
…
The cellar
Under the locked grille, the animals are crying.
You hear them while you wait and when the bus pulls up,
Finally, and you get on. That was years ago. The cellar
Is given over to new shopkeepers, one after the other,
Who fail and are replaced. Even the selfish brother,
The crazed neighbor, the criminal in his cell, face of blue
Tattoos, has never allowed a living thing to starve
As you have. Who knows this except for you and the laughing
African with his padlock teeth and flashing gold key.
O porão
Sob a grade trancada, os animais choram.
Você os ouve enquanto espera e quando o ônibus para,
Até que enfim, e você entra. Isso foi há anos. O porão
Foi entregue a novos lojistas, um depois do outro,
Que fracassaram e foram substituídos. Até o irmão egoísta,
O vizinho enlouquecido, o criminoso em sua cela, com rosto com
Tatuagens azuis, jamais deixaram que um ser vivo morresse de fome
Como você deixou. Quem sabe disso, exceto você e o africano
Sorridente com seus dentes de cadeado e chave dourada cintilante.
…
19 Chopin waltzes
Snow falls from rafters of pink, swollen clouds;
moonlight drenches the peasants’ fields.
The feathered flesh of a fish, the juice of a peach,
the silver rivers before we named them with color.
All the begetting: the weak limbs and soft bellies,
the faces elongated like the devil himself. The devil
himself! The ship that sails to dreams of Achilles,
the palace of the deaf, the murmuring in centuries’ rooms,
The crying of turtle doves, the fleet-footed dancing.
On Earth as in heaven, beauty without reason.
19 valsas de Chopin
A neve cai das vigas das nuvens inchadas e róseas;
o luar encharca os cultivos dos camponeses.
A carne macia de um peixe, o sumo de um pêssego,
os rios prateados antes de darmos cores a eles.
Toda a criação: os membros fracos e as barrigas macias,
rostos alongados como o diabo em pessoa. O diabo
em pessoa! O navio que viaja para os sonhos de Aquiles,
o palácio dos surdos, o murmúrio em salas centenárias,
O choro das rolinhas, a dança ligeira.
Na Terra, como no céu, beleza sem propósito.
…
Host
There are two worlds I know of:
the vast illumined
and the place where I am.
I need the other
the way a virus
needs a host,
but the strange,
loving sisters
hold up their hands.
And my body —
uninhabited —
suffers and wonders:
whose hands are these?
Whose hair?
Hospedeiro
Existem dois mundos que eu conheço:
a vastidão iluminada
e o lugar onde estou.
Preciso do outro
do mesmo jeito que um vírus
precisa de um hospedeiro,
mas as estranhas,
e amorosas irmãs
erguem as mãos.
E o meu corpo —
desabitado —
sofre e se pergunta:
De quem são estas mãos?
De quem, o cabelo?