Poemas de Elisa Andrade Buzzo

Leia os poemas "sem título" e "corrente pedra e flor"
Elisa Andrade Buzzo, autora de “O gosto da cidade em minha boca”
01/07/2022

lua em tordesilhas
rosto bolachudo de sol fletido
olhos dormindo desejos se pondo
luar de tordesilhas esquecido em mapas finos
encourados lua dormindo em nuvens negras
agora me faz uma careta de viagem à lua
ou então me envia um beijo espacial
se dúbia é a viagem da vida
reacende as igrejas de pedras escuras
igrejas onde nunca entrarei apenas verei
num longe de estrada pressuroso
a desolação é um esforço por entrar em todo o movimento
a amargura é um desleixo do sentimento por demais carregado
a mágoa se aplaina no caminho que esmaga
se essa mágoa fosse maior do que o luar de espanha

e então é pura a lua
não mais pura do que a lua cheia de sagres
tão redonda e só e acima de todos na terra que se estende
como um cadáver duro depois de algas e chuvas
parece que ela tomou um banho de mar
para aparecer revigorada branca intacta
nua rara tal o mito de outro andrade
mais parece que nela é que as ondas batem
e rebatem em algo como o grande coelho
e não é que é ela quem intercede na maré
com sua força lunar
e então não é mais a lua
é uma mulher nua numa alcova
de linho e iniciativas débeis e duras
ainda mais nua no espaço amplo da praia
porque nela há uma vida impura
também de coelhos grandes habitantes lunáticos
dos homens e dos amores iniciáticos
se tantas são as luas e tão grandes as viagens

olhos que são como uma substância negra
não azul nem verde nem castanha mas negra
olhos de rapina pontiagudos de lança
um buraco profundo que sabe mais do que eu mesma
do que esses meus olhos que são de pura água
de tristeza cristalizados nada de céu de azul de mar
água marrom um pote claro outro pote escuro
entornados por bordas verdes crepusculares

enfiar colares de conchas
pulseiras querer juntar-me às coisas do mar
e à sua gente sem ser expulsa e então disfarçar-me
grudando conchas no corpo ainda que desacreditado
o corpo adornado de conchas cadáveres duros
enrijecidos de mar lesmas moluscos mas
então se fosse eu que me atirasse nas pedras
ou na areia tal qual um adereço nascente ou morto
enrolar conchas no pescoço como uma
graciliana cadeia de cobras enroladas por conta própria

corrente pedra e flor

ao lado do pequeno farol
corrente que arrebenta
pedra que se desfaz
flor que resseca
corrente pedra flor e mato seco
e caracol e folha túmida
e flor branca e pútrea

Elisa Andrade Buzzo

É doutoranda no programa de Estudos Portugueses e Românicos na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, publicou O gosto da cidade em minha boca (2018), Notas errantes (2017), Vário som (2012 – finalista do Prêmio Jabuti 2013 de Poesia), Se lá no sol (2005), entre outros. Escreve crônicas para o Digestivo Cultural e na revista digital Rubem.

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