Poemas de Dennis Radünz

Leia os poemas "O que foi, futuramente", "O irmão não nascido" e "Modos de carregar crianças ou “síndrome da resignação"
Dennis Radünz, autor de “Cidades marinhas: solidões moradas”
03/11/2020

Visivas da infância

O que foi, futuramente

acontece que o antiquíssimo avô
viu a menina mais nova e, velho
que nem vitrola, consultou a neta:
“o que quer dizer a palavra coevo,
parecida com corvo, ovo e cova?”

a menina investigou no dicionário
e descobriu (o que é do tempo atual),
e viu, ao mesmo tempo, ela, o avô,
a chuva, o carvão, o elepê de vinil
e seu celular-que-fala-com-júpiter,

tudo coevo como uns mastodontes
que nascem de novo, virtualmente,
o vestido novo para dois mil e cem
e, vindo de antigamente, o seu avô
recente: dente de leite que não caiu

O irmão não nascido

o menor dos meninos ainda mira
na casa caduca — e demolindo-se —
a parede condenada que ali havia
e o buraco de monstro onde criou
coisas leves e de entrada proibida:

ele tinha escondido um esqueleto
de peixe, um que havia escolhido
para ser o seu irmão antigo (peixe
-voador) que acabou não nascido,
abolido no início, ainda em obras.

o menino menor mora no entulho
do que foi vendido, vidro moído,
nos futebóis de botão sem futuro,
feito pênalti perdido, demorando
a escanteio: o irmão descampado.

Modos de carregar crianças
ou “síndrome da resignação”

o costume extinto
de registrar os mortos
sobre o caixão, em fotos,
para que se arquivasse
o corpo no curtume
da sua carne em cinzas
e papel preto-e-branco,
me revelou, deitada,
a minha tia Carmen
de um dia de vida –

no tempo intempestivo
desse futuro impróprio,
imaginei o modo
de carregar crianças
em condições extremas
e levantei-lhe o tronco
do seu durar defunto
em capulanas, cintas,
em cangurus, tipoias,
ternuras de mães índias

e imaginei um meio
de se abraçar rebentos
em casas que são berços
para que a Carmen viva
num mundo deportado:
biografar as plantas,
mudas, vitórias-régias,
para estudar maneiras
de madurar crianças
nas solidões do colo.

Dennis Radünz

Nasceu em Blumenau (SC), em 1971. Autor de Exeus (1996), Livro de Mercúrio (2001), Extraviário (2006) e Ossama: último livro (2016) e Cidades marinhas: solidões moradas (2009). Sítio do autor: www.dennisradunz.com

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