Tradução e seleção: André Caramuru Aubert
Morning light
comes. I
gaze into planetary
shadow deep as
blindness, and morning
light gradually
comes, elemental
forms too: desert,
mountain,
sky. Morning
light comes
and sight precisely
as it did
through its long
slow
beginnings, opening
this world
inside us: planetary
desert, mountain,
sky when
there were
no words, no
words for
any of this.
Vem a luz
da manhã. Eu
olho para a sombra
planetária, profunda como
a cegueira, e a luz
da manhã vem
aos poucos, e as formas
primordiais também: deserto,
montanha,
céu. A luz
da manhã vem
e observa tão precisamente
quanto tem feito,
através de seu longo
e lento
início, abrindo
este mundo
dentro de nós: deserto
planetário, montanha,
céu, quando
não havia
palavras,
palavras para
nada disso.
…
Days go on
like this. Sky-parched
grass and desert
sky. Humming-
bird. Mesquite seed-
fluff tight in its
cracked sun-
scoured packet
spills out
on the wind. Some-
times, I
try to remember
that distinction
between
what I
am and whatever
occurs next.
Os dias vão indo
assim. O céu-a relva-
ressecada e o céu
do deserto. Beija-
flor. Penugem das
sementes de capim
em suas rachadas
cascas de sol
espalhadas
pelo vento. Por-
vezes eu
tento me lembrar
da diferença
entre
o que sou
e o que virá
depois.
>>>
I feel too old, too
tired to make
sense of this empty
grassland desert
today. There’s a cold-
front approaching: distant
thunder, a few
scattered drops. I
lie back
here in these parched
grasses, wait to see
what rain
makes of it all.
Estou muito velho, muito
cansado, para
entender, hoje, a
imensidão deste
deserto. Uma frente-
fria se aproxima: trovão
ao longe, uns poucos
pingos de chuva. Eu
me deito
aqui, nesta relva
ressecada, e espero para ver
o que a chuva
fará disso tudo.
>>>
There’s nothing
much happening
here in my
life. First snow,
wind, a few
words, this evening
fire burning
low. It’s
exquisite. I can
see through
my death.
Não tem rolado
muita coisa
na minha
vida. A primeira neve,
o vento, umas poucas
palavras, nesta tarde
a lenha queimando
devagar. É
incrível. Eu
consigo ver através
de minha morte.
>>>
There they
were, my
sandals on sun-
warmed stone
outside the door, as if
someone had
come to visit. Is
there any choice
when you
meet your own
absence? I
welcome it
home, listen
closely. It’s telling
its life
story in sky’s
restless gusts and
swells. Soon it
moves on to wolf
spider, raven
wing-breath, a long-ago
peak’s broken-
granite silence. Old
talkative
friend: it has no
end of
things to tell.
Lá estavam
elas, as minhas
sandálias, se aquecendo
ao sol nas pedras
do lado de fora, como se
alguém tivesse
vindo me visitar. Resta
alguma chance
quando você
se depara com sua
própria ausência? Eu
dou boas-vindas a
ela, ouvindo-a
com atenção. Ela conta
a história de
sua vida, sob as
ondas e as rajadas
do céu. Logo ela
muda para a aranha
lobo, para a escuridão
das asas dos corvos, para o silêncio
há muito quebrado
de um pico rochoso. Velha
e falante
amiga: é infinito
o que há
para contar.
>>>
Wind tells its
story differently
each time. I
come often, wanting to
know all its
joys and griefs, its
dark thoughts. But that much
clarity isn’t
easy, and sometimes
wind grows
still, silent. Then I
sit alone, whorl tempests
through the dark
deep canyons of my
lungs, whisper gusts strung
out in
words. And if I
listen closely
enough, listen
until I hear my own
voice there
again, I understand
everything wind
says rinsing
itself through this
pine and granite
ridgerock canyon.
O vento conta sua
história de um jeito
diferente a cada vez. Eu
venho sempre, querendo
ouvir todas as suas
alegrias e tristezas, seus
pensamentos sombrios. Mas tamanha
limpidez não é
fácil, e às vezes
o vento fica
imóvel, em silêncio. Então eu
me sento sozinho, tempestades
girando pelos desfiladeiros profundos
e escuros dos meus
pulmões, sussurrando rajadas de vento
presas em
palavras. E se eu
ouvir com bastante
cuidado, ouvindo
até escutar ali a minha
própria voz
novamente, eu entenderei
tudo o que o vento
fala enquanto
se esfrega nestas
encostas de pinheiros e rochas
do desfiladeiro.
>>>
Mountains are
what they
are, and they’re
nothing like
me. I should
know that
by now. But here I am
again, gazing at
yet another
mountain, and all I
see is that sun-
scree face
memory hides, that earth-
plume sky-
ochre face
I wear
whenever I dance.
Montanhas são
o que
são, não se parecem
nem um pouco
comigo. Eu já
deveria saber
disso. Mas aqui estou eu
de novo, olhando
para outra
montanha, e tudo o que
vejo é aquela face-
granítica ensolarada
que a memória esconde, aquela
face ocre de
céu de terra-e-plumas
que eu visto
sempre que danço.
>>>
It’s a long way
from me to
you, so much
light and space. I
set out
here, nothing much
to say, mostly curious
what might
happen along
the way. A hummingbird-
moth slips in
through a window, curious,
confused by
all this
light and space.
É longo o caminho
de mim até
você, tanto espaço e luz. Eu
faço agora uma
proposta,
sem ter muito a
dizer, mais por curiosidade
com o que pode
acontecer ao longo
do caminho. Uma mariposa
escorrega pela
janela, curiosa,
e confusa com
tanto
espaço e luz.
>>>
Ochre cliffs water-
stained steel
blue, knife-edge
swifts and sky, wild
roses, ancient sun-
bleached oaks: things somehow
make light
visible. And aren’t these
eyes how
light sees it-
self? I’ve
never understood
masks—what they
hide, what
they reveal.
Penhascos ocre aço-
inoxidável azul
água, andorinhões
e o céu, flores
selvagens, velhos carvalhos-
desbotados de sol: as coisas às vezes
tornam visível
a luz. E não são nestes
olhos que
a luz vê
a si mesma? Eu
nunca entendi
as máscaras — o que elas
ocultam, o que
elas revelam.
>>>
These days I
don’t want this
life any-
more. I wait
quietly all day, then
walk away
toward a last ridgeline
lit in late
sunlight. How
easy it is
to be
what I
am not. This
life, or
some other, or no
life at
all: that lit
ridgeline
can’t see the least
difference
between them.
Não tenho mais
vontade,
ultimamente, de ter
a vida que tenho. Fico
quieto o dia inteiro, para no fim
sair caminhando em busca
da derradeira luz
do sol a iluminar
a cordilheira. Quão
fácil é ser
o que eu
não sou. Esta
vida, ou
alguma outra, ou
vida
nenhuma: a cordilheira
iluminada
não vê a menor
diferença
entre elas.