Tradução e seleção: André Caramuru Aubert
An Operation
The knife, whose freezing shadow had unsteeled
His loved one’s heart, moved in at last to shear
Impassive flesh: she was no longer there —
Only a surface to be botched or healed.
While this went through, he felt the critical blade
Cut from his own heart all the encrustation
Of years and usage: bleeding with compassion,
He found his love laid bare, a love new-made.
Uma operação
A faca, cuja sombra gelada havia amolecido
O coração de sua amada, finalmente moveu-se para tosquiar
A carne impassível: e ela não estava mais ali —
Era apenas uma superfície a ser destruída ou curada.
Enquanto isso acontecia, ele sentiu a lâmina crucial
Cortar fora de seu coração todas as incrustações
De tantos anos de uso: sangrando com compaixão,
Percebeu, ali, seu amor exposto, um amor reconstruído.
…
Three pittle pictures
Municipal Park
In beds of municipal parks the flowers
Stand to attention, dressed by the right,
Each bed a uniform colour —
Even the seeds were drilled.
How regimental, we think, how bright and dull!
By such a bed he stands, recalling
A wild lost darling.
Boat from Ireland
Children chase round and round and round.
For them the past is past, the deck
Another windy playground.
Man, though you tear up your used vacances,
Fling the white scraps to the wind,
Seagulls follow above your wake —
A mobile shifting, sliding, dancing.
Roger
So Roger is gone. We had not met
Lately. But the news like a flashbulb whipped
Out of the darkness the voice, the features,
The touch of Lear. I notice that
Picking off our acquaintance one by one,
One by one Time prises our fingers loose
From the edge that overhangs oblivion.
Três pequenos retratos
Parque Municipal
Nos canteiros dos parques municipais, as flores
Se posicionam para serem vistas, corretamente vestidas,
Cada canteiro com sua cor —
Até mesmo as sementes ensaiaram.
Quão disciplinadas, pensamos, e quão brilhantes e maçantes!
E junto a um dos canteiros, ele fica, relembrando
A amada ferozmente perdida.
Um navio irlandês
Crianças em pega-pega giram, giram e giram.
Porque passado é passado, e o deque
É mais um playground ao vento.
Cara, ainda que você rasgue suas férias já usadas,
Lançando ao vento os pedaços de papel,
As gaivotas, do alto, seguirão seus rastros —
Fazendo curvas, derrapando e dançando.
Roger
E então Roger se foi. Não havíamos nos encontrado
Recentemente. Mas as notícias, chicoteando como a luz de uma lâmpada,
saíram do escuro, e a voz, e os traços, e
O toque de Lear. Eu noto isso
Analisando os nossos conhecidos, um por um,
De um por um o Tempo vai soltando os dedos que seguram
A beirada do abismo que contempla o limbo.
…
The house where I was born
An elegant, shabby, white-washed house
With a slate roof. Two rows
Of tall sash windows. Below the porch, at the foot of
The steps, my father, posed
In his pony trap and round clerical hat.
This is all the photograph shows.
No one is left alive to tell me
In which of those rooms I was born,
Or what my mother could see, looking out one April
Morning, her agony done,
Or if there were pigeons to answer my cooings
From that tree to the left of the lawn.
Elegant house, how well you speak
For the one who fathered me there,
With your sanguine face, your moody provincial charm,
Of living beyond one’s means to keep up
An era beyond repair.
Reticent house in the far Queen’s County,
How much you leave unsaid.
Not a ghost of a hint appears at your placid windows
That she, so youthfully wed,
Who bore me, would move elsewhere very soon
And in four years be dead.
I know that we left you before my seedling
Memory could root and twine
Within you. Perhaps that is why so often I gaze
Through it the buried treasure, the lost life —
Reclaim what was yours, and mine.
I put up the curtains for them again
And light a fire in their grate:
I bring the young father and mother to lean above me,
Ignorant, loving, complete:
I ask the questions I never could ask them
Until it was too late.
A casa em que nasci
Uma casa elegante, decadente, de paredes caiadas
Com telhado de ardósia. Duas fileiras
De janelas altas. Abaixo da varanda, ao pé
Da escada, meu pai, posando
Em sua charrete com o chapéu clerical redondo.
Isso é tudo o que a fotografia mostra.
Não sobrou ninguém vivo pra me contar
Em qual desses quartos eu nasci,
Ou o que minha mãe via, olhando para fora, numa manhã
De abril, passada a agonia,
Ou se havia pombos para responder aos meus arrulhos
Dali daquela árvore, à esquerda do quintal.
Casa elegante, quão bem você conseguiria falar
Daquele que aqui me concebeu,
Com sua face sanguínea, seu charme taciturno e interiorano,
Que vivia além dos meios para se manter
Num tempo sem conserto.
Casa taciturna no longínquo condado de Queen,
O quanto você deixou por dizer.
Nem mesmo um vislumbre de sugestão aparece em suas plácidas janelas
Que ela, casada tão jovem
Que me carregou, muito em breve se mudaria para outro lugar
E em quatro anos estaria morta.
Eu sei que a deixamos antes que o broto de minha
Memória pudesse se enraizar e se enroscar
Em você. Talvez seja por isso que eu tantas vezes olhe,
Através dela, o tesouro enterrado, a vida perdida —
Reivindicando o que era dela, o que era meu.
Eu novamente coloco para eles as cortinas
E acendo o fogo em sua grelha:
Trago pai e mãe, ainda jovens, para repousar em mim,
Ignorantes, amorosos, completos:
Faço as perguntas que jamais fiz a eles
Até que fosse tarde demais.
…
Behold the swan
Behold the swan
Riding at her image, anchored there
Complacent, a water-lily upon
The ornamental water:
Queen of the mute October air,
She broods in that unbroken
Reverie of reed and water.
Now from the stricken
Pool she hoists and flurries,
And passes overhead
In hoarse, expressive flight:
Her wings bear hard
On the vibrant air: unhurried
The threat and pulse of wings, the throat
Levelled towards the horizon, see —
They are prophecy.
Observe o cisne
Observe o cisne
Fêmea cavalgando em sua imagem, ali ancorada
Complacente, uma vitória-régia na
Água ornamental:
Rainha do ar quieto de outubro,
Medita naquele inquebrantável
Devaneio de junco e de água.
E agora, da lagoa ela
Agitada se ergue, em movimento,
Passando por cima de mim,
Num voo expressivo e rouco:
Suas asas a bater, com força
No ar que vibra: sem pressa
O prenúncio cadenciado das asas, a garganta
Alinhada com o horizonte, veja —
São uma profecia.
…
The lighted house
One night they saw the big house, some time untenanted
But for its hand-to-mouth recluse, room after room
Light up, as when Primavera herself has spirited
A procession of crocuses out of their winter tomb.
Revels unearthly are going forward, one did remark —
He has conjured a thing of air or fire for his crazed delight:
Another said, It is only a traveller lost in the dark
He welcomes for mercy’s sake. Each, in a way, was right.
You were the magic answer, the sprite fire-fingered who came
To lighten my heart, my house, my heirlooms; you are the wax
That melts at my touch and still supports my prodigal flame:
But you were also the dead-beat traveller out of the storm
Returned to yourself by almost obliterated tracks,
Peeling off fear after fear, revealing love’s true form.
A casa iluminada
Uma noite eles viram a grande casa, há algum tempo vazia,
Exceto pelo miserável recluso que ali vivia, aposento após aposento
Ficar iluminada, como quando a Primavera, em pessoa, animou
Uma procissão de açafrões para fora de seus jazigos de inverno.
Festas sobrenaturais estão em marcha, alguém falou —
Ele conjurou algo etéreo para seu próprio deleite:
Um outro disse, é apenas um viajante perdido na escuridão
Que ele por misericórdia acolhe. Cada um, de uma maneira, tinha razão.
Você foi a resposta mágica, o duende de dedos de fogo que chegou
Para iluminar meu coração, meu lar, minhas relíquias herdadas; você é a cera
Que derrete ao meu toque e ainda sustenta a minha exuberante chama:
Mas você é também o exausto viajante saído da tempestade
Que regressou a si mesmo por quase extintos caminhos,
Descascando medo após medo, e revelando, do amor, a verdadeira forma.
…
Apologue (1928)
“Galeotto fu il libro, e chi lo scrisse;
quel giorno più no vi leggemmo avante.”
Dante, Inferno.
Here is nothing singular.
Night has Orion —
Needs she the lesser star?
Ravish divinity
If you can. Actaeon:
Never just play the spy.
Here are no estimable riches:
A mind, now hot now cold,
Turning all it touches
Into quicksilver:
The heart that looked for gold
Has found a garden of myrrh
On Artemis pondering,
That inaccessible sprite,
I gazed at a slumbering
World from the lattice of my despairs:
The night was large enough, the night
Pastured a million stars.
Apólogo (1928)
“Galeotto foi o livro e quem o escreveu;
e naquele dia nós nada mais lemos.”
Dante, Inferno.
Nada demais por aqui.
A noite tem Orion —
Precisará ela de uma estrela menor?
Arrebate a divindade
Se você puder, Acteon:
Não fique espiando os outros.
Não há aqui objetos de valor:
A mente, ora fria, ora quente,
Transforma tudo o que toca
Em mercúrio:
O coração que procurava ouro
Encontrou um jardim de mirra
Em Artemis, a ponderar, sobre
Aquele inacessível elfo,
Eu contemplei o adormecido
Mundo enredado em meus desesperos:
A noite era extensa o bastante, a noite
Pastoreava um milhão de estrelas.