Poemas de Carla Andrade

Leia os poemas "Comoção", "É aqui mesmo", "A última vez", "O que não é por acidente é pior", "Nuvem tímida" e "Casa grande"
01/02/2022

Comoção

Tem um ninho
em frente à janela
Escolhi não ter filhos.

É aqui mesmo

Para deus
moldar
cada servo
é preciso
derretê-lo
no inferno.

A última vez

você dirige seu carro sem revisão
no rádio Baby Blue arrasta a estrada
encosto minha cabeça no seu ombro
sem dizer nenhuma palavra
somos a última imagem pictórica
catalogada no nó da garganta

O que não é por acidente é pior

Deus me deu duas cicatrizes aos nove anos.
Externas e visíveis como tatuagem.
Outras internas além do fêmur e barriga:
rins, fígado e pré-adolescência.
Seriam as menores cicatrizes
essas da roleta do vento invertido.
O acaso não é tão perverso
como as cicatrizes sem costura.

Nuvem tímida

insinuou ser cinza
se desfez sem tinta
como o sopro de fumaça
atropelado de batom.

Casa grande

Fácil encontrar o quarto
difícil é o sótão ou porão

Carla Andrade

É mineira e brasiliense. Autora de Caligrafia das nuvens (Patuá), Voltagem (7Letras), Artesanato de perguntas (7Letras), Conjugação de pingos de chuva (LGE) e Ando caindo cada vez mais leve (Penalux). Alguns de seus poemas foram traduzidos para o italiano, espanhol e inglês.

Rascunho