Tradução e seleção: Maria Aparecida Barbosa
A estética africana foi uma fonte de inspiração para os artistas modernistas europeus. Assim como o pintor Picasso, igualmente os escritores Blaise Cendrars, Tristan Tzara e outros recebiam esses estímulos estrangeiros como potencialidades fecundas à cultura europeia exaurida dentro do espírito imperialista, etnocêntrico. Durante a Primeira Guerra Mundial, o judeu alemão Carl Einstein (1885-1940) servia como militar na fronteira com a França. Graças ao livro Negerplastik (1915), publicado no Brasil pela editora da UFSC em 2013, esse escritor e crítico de arte adquiriu fama de especialista em estética africana e por isso foi chamado a dirigir o acervo da administração colonial belga, em Bruxelas. Ali, ele conheceu os relatos de linguistas e missionários que tinham transcrito narrativas, preces e poemas das línguas africanas geralmente ao francês, material que, então, adaptava literariamente ao idioma alemão. Ao mesmo tempo, compunha poemas e os publicava na conceituada revista Die Aktion, no período 1916-17, e essa Dichtung (poesia) sintetiza sua imersão na estética africana. Na sequência, apresento minha tradução de três desses poemas: Retorno a casa, Noite e Doentes.
Einstein escreveu também a “peça teatral” Bebuquin, em prosa cubista. Sua obra de maior fôlego é o ensaio A arte do século 20, cuja tradução ao português a editora Cultura e Barbárie está publicando em volumes. No texto, ele busca redefinir os objetivos da arte e suas tarefas, inclusive sociais, didáticas e religiosas, superando o monumentalismo clássico. Valorizava a criatividade formal da arte africana, a teoria do cubismo, o engajamento político, o animismo do surrealismo, conforme exprime em suas reflexões críticas para a Documents — revista que editava em Paris, entre 1929 e 1931, juntamente com Bataille, Leiris e Rivière, entre outros. Se Walter Benjamin exalta a “iluminação profana”, Carl Einstein fala de blocos de “a-causalidade” que cindem as hierarquias da realidade.
Hubert Roland e Klaus Kiefer, em respectivas pesquisas, indicam a gradual conscientização política de Carl Einstein, de soldado voluntário a simpatizante e em seguida a ativo comunista que desempenha papel de destaque nas negociações para o fim da ocupação alemã em Bruxelas no ano de 1918. Dessa rebeldia anarquista ele dá ainda reiteradas provas, tanto na obra como na atuação entusiasta pela libertação espanhola durante a Guerra Civil, aliado à Coluna Durruti em 1936.
Há 80 anos, em cinco de julho de 1940, ele cometeu suicídio perto da cidade francesa Pau, a caminho da fronteira espanhola, quando tomou conhecimento da derrota francesa.
Heimkehr
Krieche der Erde.
Krümm dich der Wolke.
Willst du das, Mann?
In Scherben zerrieben, zum Irrsinn gezerrt.
Endloser Wanderer, allein.
Tod läuft dich an,
Streut in rauchige Asche
Aufriß und Ruhm.
Junges leuchtet geehrt.
Jetzt nur Flecken, ein Wisch.
Dies alles.
Schwankst
Und streifst kaum
Gras, das die Hüfte umgrünt.
Keuche zum Himmel.
Knochen, Feigen und Sklaven
Hungert es uns.
Seele verloren,
läßt es den Le ichnam dir taumeln.
Deinen Schatten schreckt staubiger Abend.
Anderer Muscheln,
verschmäht und zergart,
frißt er.
Schämen zerbricht dich.
Innen ermattet
wirst du des Knaben Erde verspüren.
Niemand grüßt.
Niemand ein Wort.
Nie ruft den Namen
Dir Stimme des Menschen.
Würge dir ein
Hungers Wege.
Aufwärts! da oben
klingende Türe.
VERHUNGERT.
Himmel grüßt zart,
Bietet dir Kommen und Schluß.
Retorno a casa
Prostar-se ao chão.
Curvar-se às nuvens.
É isso que você quer, homem?
Em cacos estilhaçado, distendido à loucura.
Andarilho incansável, só.
Morte à espreita,
Dissipando em cinza e fumaça
Grandeza e glória.
Jovem brilha aclamado.
Agora nódoa, mero borrão.
É tudo.
Oscila.
E mal roça
A grama, verdejante em torno.
Anelando aos céus.
Ávidos por
ossos, figos e escravos.
Alma perdida,
Despenque logo o cadáver.
Suas sombras assusta a tarde poeirenta.
Outros mariscos,
Rejeitados, podres,
Devora.
Desonra o destrói.
Derreado em espírito
Há de sondar a terra de menino.
Ninguém saúda.
Ninguém, uma palavra.
Nunca voz humana
o chama pelo nome.
O caminho da fome
O estrangula.
Acima! No alto
rangem portais.
MORTO À MÍNGUA.
O céu saúda brando,
Permite a entrada e fim.
…………………
Kränke
I
Höhle knäuelt
Augapfel brandet in barometrigem Kanal.
Verrostet schwimmt ein hohler Hammer in den Adern.
Luft entzündet kuglig,
Erstickt in Bändern Schlamms.
Schlingt bleiern hoch zur Schädelbrücke
Faltet an Zimmerdach
Verwirrten Kinderdrachen.
Ich klimme an der Schnur.
Quirliges Insekt.
Entschäle den Rïussel
In kurzbodigen Teich.
Mich ebnet Kränke in verspiegeltes Zergrauen.
II.
Angst um den blinden Mond
Röstet da Auge kurvender Eidechse.
Aufschwillt mein Herz,
Ballont über Pflasterstein;
Eitriger Erde
Einpreßt er den Nabel.
Ich werfe in den Schrecken
— Querüber die Sichel —
In zackiges Seufzen des Skorpions.
Es verwankt verdorrten Horizont
Auf Seilen.
III.
Gitter umbohren Löcher
Der Gedanken.
Vages Verwildern.
Hin.
Doentes
I.
Cavidade infesta
Globo ocular rebenta no canal barométrico.
Um martelo oco flui enferrujado pelas veias.
O ar inflama em pústulas,
Sufocado em-plastos de lama.
Enroscam plúmbeos à ponte da caveira
Dobra no telhado do quarto
Com embaraçadas pipas.
Escalo o fio
Inquieto inseto.
Tire o cascão do focinho
Na poça rasa.
Doentes espelham meu próprio envelhecimento.
II.
Medo cego de não ver a lua
Queima o olho do lagarto curvo.
Meu coração intumesce
Balão inflado na fria pedra;
Terra purulenta
Ele aperta o umbigo.
Eu jogo horrorizado
— por cima da foice —
Num suspiro esquisito de escorpião.
Horizonte mirrado vacila
em cordas bambas.
III.
Hastes perfurando veios
de pensamentos.
Vaga decrepitude.
Avante.
…………………
Nacht
Schlaf trägt in Baum,
Klirrt Skelett.
Vergrabenes Blut greift an. —
Wenn Erde mondete gesichelt dem Gemüt,
Ergrünten Blätter Ohren,
Gestein bräch auf und Profetie der Höhle.
Gedanken hämmern Beile.
Gestirn faßt Äste.
Hund bellt fremden Schritt.
Noite
Sono frutifica em árvore,
Pulsa carcaça.
Coalhado sangue difunde. —
Se a Terra alua, míngua alento,
Orelhas de folhas verdecem,
Pedra racha e profecia da caverna.
Pensar martela o torno.
Planetas tocam grimpas.
Ao passo estranho ladra o cão.