Poemas de Barrie Jean Borich

Leia os poemas traduzidos "O apocalipse, querida", "O que está presente no tempo futuro I", "O que está presente no tempo futuro II" e "O que está presente no tempo futuro III"
Ilustração: Bruno Schier
01/02/2025

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

The Apocalypse, darling
Interior Landscapes 1959

                               I don’t remember where I heard the unconscious described as sensual affinities we are unaware of, yet think about constantly, an endless newsreel projected onto the inside of the forehead that we feel behind the hairline but can’t see. This is how it is with me and my Old Country wasteland, the reason I am a pessimist, expecting the worst so assiduously it seems I also almost wish for brokenness, the reason when I see the desolate Calumet Region of my childhood spread out like a centerfold through the rental car windshield I feel not as if I am returning, but rather that I am awakening, opening my eyes to the familiar wound—that scraped gray earth, that slag and smoke and muddy gravel, even the unlikely hope of a bright blue painted wall that by its brightness brings attention to the bleak—continuing as it always has even while I am away, dreaming the earth is also, sometimes, still, naturally green.

O apocalipse, querida
Paisagens interiores 1959

                               Não me lembro onde ouvi a descrição do inconsciente como conexões sensuais que nos passam despercebidas, ainda que pensemos nisso o tempo todo, como um cinejornal sem fim projetado dentro da testa e que sentimos por baixo do cabelo, mas que não vemos. É assim comigo e com o deserto de minha Velha Terra, a razão pela qual sou pessimista, esperando o pior tão assiduamente que chega a parecer que desejo a desgraça, a razão pela qual quando vejo os desolados arredores da Calumet da minha infância espalhados como uma página aberta sobre o para-brisa do carro alugado, não me sinto como se estivesse retornando, mas como se despertasse, abrindo meus olhos para as feridas familiares — aquela terra árida e cinzenta, escumalha e fumaça e cascalho enlameado, até mesmo a improvável esperança de uma parede pintada de azul brilhante que por seu brilho chame a atenção para o sombrio — continuando a ser como sempre foi, mesmo quando estou longe, sonhando que a terra também ainda é, às vezes, naturalmente verde.

What’s present in time future I
Chicago 2015

                               The future barely contained in this time past is the father who will, in the year following this wedding day, become vulnerable enough to evoke less his children’s forgiveness than their sympathy, an adjustment of their view, what’s present in time future, the once insurmountable and typically stalwart Swede revealed as another hurt body leaning into wasteland winds, by which I mean his children will find moments, green clearings, in which to embrace him.
But not yet.

O que está presente no tempo futuro I
Chicago 2015

                               O futuro mal contido neste tempo passado é o pai que, no ano seguinte ao dia deste casamento, se tornará vulnerável o suficiente para evocar menos o perdão do que a simpatia de seus filhos, uma mudança na maneira como eles veem, o que está presente no tempo futuro, o outrora intransponível e o típico sueco robusto revelou-se como outro corpo ferido inclinado aos ventos da terra arrasada, com o que quero dizer que os filhos dele encontrarão momentos e clareiras verdes nos quais conseguirão abraçá-lo.
Mas ainda não.

Ilustração: Bruno Schier

What’s present in time future II
Chicago 2015

                               The future barely contained in this time past is the rogue daughter-in-law surprised to find she does come into the father’s view, a new present tense in the body politic, during which time not all, but some, of the fathers—the governors, mayors, judges, and presidents—might say not her name, but the name of her kind, not a new world, but a few sweet hollows of respite, better times before worsening times, clearings that requires her own adjustment of view.
But not yet.

O que está presente no tempo futuro II
Chicago 2015

                               O futuro mal contido neste tempo passado é a nora tratante, surpresa ao descobrir que foi vista pelo pai, um novo tempo presente no corpo político, durante o qual nem todos, mas alguns, dos pai— os governadores, prefeitos, juízes e presidentes — podem dizer, não o nome dela, mas o nome do tipo que ela é, não um novo mundo, mas alguns agradáveis espaços de repouso, tempos melhores antes de tempos piores, clareiras que exigem ajustes na maneira como ela vê.
Mas ainda não.

Ilustração: Bruno Schier

What’s present in time future III
Chicago 2015

                               The future barely contained in this time past is the father’s late marriage that will fail within four seasons, is a resurgent terrain not redeemed but partially remediated in a dailiness of city plans and neighborhood projects, elevated parks and protest marches, new cities made in the wake of the old, that the daughter-in-law will not see until they, this bridegroom’s eldest and most not-daughterly daughter and this longtime, newly seen spouse, take new jobs and move back to old Chicago, shifting from the background to the fray, where they re-find the land as they re-found the father, much as always but also with a few sweet hollows of respite, clearings of memory, desire, imperfect, threatened, out of which this stony rubbish might bloom.
But not yet.

O que está presente no tempo futuro III
Chicago 2015

                               O futuro mal contido neste tempo passado é o casamento tardio do pai que dará errado dentro de quatro estações, é um terreno ressurgente não redimido mas parcialmente remediado numa rotina de planos urbanos e projetos urbanísticos, parques elevados e marchas de protesto, novas cidades erguidas na esteira das antigas, que a nora não verá até que elas, a filha mais velha e menos filha deste noivo e a velha esposa recentemente vista, arranjem novos empregos e voltem para a velha Chicago, mudando da retaguarda para o front de luta, onde reencontram a terra como reencontraram o pai, mais ou menos como sempre, mas também com alguns agradáveis espaços para repouso, clareiras de memória, desejos, imperfeitos, ameaçados, a partir de onde esse pedregoso lixo quem sabe floresça.
Mas ainda não.

Barrie Jean Borich
Nasceu em Chicago (Estados Unidos), em 1959. É uma autora conhecida por explorar fronteiras, entre as quais as de gênero literário, como se pode ver nos quatro poemas em prosa nesta apresentação, selecionados do livro Apocalypse, Darling, de 2018, obra que dialoga com o The Waste Land, de T. S. Eliot.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho