Parsival
Acompanhado nem de
si, esse outro ninguém,
a quem, com, silêncio e
som, armas um arco de ar
que vibra — ponte invisível
sob a voz muda do céu
e sua cor que eterna muda
conforme a luz que lhe é
dada dia a dia dialogar — ir
estar, ter que ser, mover
os passos ao, sempre na outra
margem do rio sujo de fezes,
cálice do Santo Graal
…
Quando
Quando a luz cegar o seu fio
de navalha que corta tudo em
claro e escuro, e esta sombra
já não tiver a centelha com que
dialogar alternando-se em sol
e lua, silêncio e palavra, terra
e céu refletido nas águas do rio que
arrasta a imagem das noites e dos dias,
quando por mero acaso repentino
ou ocaso lento e gradual romper-se
o fio de voz que traz o não e o sim
na mesma frase de ritmo imprevisível,
nada ao mundo faltará e nada se
abalará a este pequeno movimento
de asa que, ao decolar, vibra,
imperceptivelmente, a folhagem
…
Travessia
Um dia para atravessar, sol
entre duas noites imensas,
tendo como companhia o corpo,
este pequeno animal que não
te pertence e que, sem nada
perguntar, se oferece devotadamente
ao tempo, deus que também é
o próprio corpo em silêncio
Um dia para transpor tendo por alimento
a poeira da estrada que se estende
branca, do nascente ao poente e
que, lentamente, transforma-se em
riacho negro que passa sob a
ponte suspensa da Via-Láctea
Ir, à outra margem, de acordo
com o que a própria ida engendra
ora, com o silvo das serpentes sob o passo,
ora, andando sobre as águas do poema