Poemas de Antônio Moura

Leia os poemas "Parsival", "Quando", e "Travessia"
Antônio Moura, autor de “Dez”
01/04/2002

Parsival

Acompanhado nem de
si, esse outro ninguém,

a quem, com, silêncio e
som, armas um arco de ar

que vibra — ponte invisível
sob a voz muda do céu

e sua cor que eterna muda
conforme a luz que lhe é

dada dia a dia dialogar — ir
estar, ter que ser, mover

os passos ao, sempre na outra
margem do rio sujo de fezes,

cálice do Santo Graal

Quando

Quando a luz cegar o seu fio
de navalha que corta tudo em

claro e escuro, e esta sombra
já não tiver a centelha com que

dialogar alternando-se em sol
e lua, silêncio e palavra, terra

e céu refletido nas águas do rio que
arrasta a imagem das noites e dos dias,

quando por mero acaso repentino
ou ocaso lento e gradual romper-se

o fio de voz que traz o não e o sim
na mesma frase de ritmo imprevisível,

nada ao mundo faltará e nada se
abalará a este pequeno movimento

de asa que, ao decolar, vibra,
imperceptivelmente, a folhagem

Travessia

Um dia para atravessar, sol
entre duas noites imensas,

tendo como companhia o corpo,
este pequeno animal que não

te pertence e que, sem nada
perguntar, se oferece devotadamente

ao tempo, deus que também é
o próprio corpo em silêncio

Um dia para transpor tendo por alimento
a poeira da estrada que se estende

branca, do nascente ao poente e
que, lentamente, transforma-se em

riacho negro que passa sob a
ponte suspensa da Via-Láctea

Ir, à outra margem, de acordo
com o que a própria ida engendra

ora, com o silvo das serpentes sob o passo,
ora, andando sobre as águas do poema

Antônio Moura

Nasceu em Belém do Pará, em 1963. É autor de Dez (1997) e  Hong Kong & outros poemas (1999). Seu novo livro inédito, O vazio detrás da estrela, está agendado para lançamento pela Íman Edições, este ano, em Portugal.

Rascunho