Tradução e seleção: André Caramuru Aubert
Triolet
A perfectly clear liquid like water
flows out of the spine
Last night in the hospital, this is what I saw
I don’t know where the fluid sits
& what its design
A perfectly clear liquid like water
flows from her spine
Does it move from the brain in a line?
The cool doctor draws it out with a straw
A perfectly clear liquid like water
flows out of the spine
Last night, in the cold hospital, this is what I saw.
Triolé
Um líquido perfeitamente claro como água
flui para fora da espinha
Noite passada no hospital, foi isto o que eu vi
Eu não sei onde esse fluído fica
& o que ele projeta
Um líquido perfeitamente claro como água
flui da espinha dela
Será que se move desde o cérebro em uma fila?
O tranquilo médico o extrai com um canudo
Um líquido perfeitamente claro como água
flui para fora da espinha
Noite passada, no hospital frio, foi isto o que eu vi.
…..
Out there
You say
This is all
there is
I say
nothing much
to help
Say this
Say what?
It is
what you say
it is
And it is
everything
You teach me
this is
all there is
And this is
all there is
is everything
A night back
there where
a head
is turning
to kiss air
is all there is
is everything
Out there
stars are dark
The motel is quiet
Bob
One of the colors
is missing
from our world
Lá fora
Você diz
Isso é tudo
o que é
Eu não digo
nada que ajude
muito
Diga isso
Diga o quê?
Isso é
o que você diz
isso é
E isso é
tudo
Você me ensinou
que isso é
tudo o que é
E isso é
tudo o que é
é tudo
Uma outra noite
ali onde
uma cabeça
está se virando
para beijar ar
isso é tudo o que é
é tudo
Lá fora
estrelas estão escuras
o hotel está tranquilo
Bob
uma das cores
está faltando
em nosso mundo.
…..
The nun Abutsu
Japan, d. circa 1283
sea wind
chilly on me
snow rides down
each night
look up
that moon is smaller
I wane
too
as I write
not sadness
brings me
to words
but how everything
resembles something else
is an exultation
enormous waves
rise —
flowers! flowers!
the road
East
is a song
A monja Abutsu[1]
Japão, morta por volta de 1283 d.C.
vento do mar
me traga refresco
a neve vem descendo
a cada noite
eu olho para o alto
a lua está menor
eu encolho
também
enquanto escrevo
a não tristeza
me leva
às palavras
mas como tudo o que existe
faz lembrar alguma outra coisa
é um regozijo
ondas enormes
se elevam —
flores! flores!
a estrada
para o leste
é uma canção
…..
After “Les Fleurs”[2]
Paul Éluard
I am 20 years old and holding on
Knowing I’m still young, I love you world
I am not 20 years old. My past is deaf, deaf
I dream a life of crystals and lie down in the grass
You think I’m crying; I don’t
Don’t hurt me — let me be
My eyes a strength the color of my wounds,
Love, what is the sun when it rains?
I tell you there are things as true as this story
When I close my eyes I kill you.
Depois de “Les Fleurs”
Paul Éluard
Eu tenho 20 anos e vou levando
Sabendo que ainda sou jovem, eu te amo, mundo
Eu não tenho 20 anos. Meu passado é surdo, surdo
Eu sonho com uma vida de cristais e me deito na grama
Você pensa que eu estou chorando; eu não estou
Não me machuque — deixe-me ser
Meus olhos uma força da cor de minhas feridas,
Amor, o que é o sol quando chove?
Eu te digo que há coisas tão verdadeiras quanto esta história
Quando eu fecho os meus olhos eu te mato.
…..
Napping in the shadow of day
The house is still that shook with glee
Where did it go?
The shades pulled down
No one to phone
Silence the music, the clock
Baby is sleeping like a locket
His body ran down
Hush when you visit
Don’t knock nor fidget
The day sits waiting
You must too
Hush he’s lightly breathing
Cochilando na sombra do dia
A casa está quieta, aquela agitação de alegria
Para onde ela foi?
Desceram as sombras
Ninguém para telefonar
Em silêncio a música, o relógio
Bebê dormindo como um medalhão
Seu corpo desligado
Quietude quando você visita
Não bata nem se incomode
O dia sentado esperando
Você também precisa
Se aquietar ele respira delicadamente
…..
In the room of never grieve
register
& escape
the traps
a last judgment
cheetah under her skin
one window on the sunny side
still life with stylus
w/rancor
still life w/daggers
size of a postcard
no harm will come to the dolls
of which I am the queen
ghosts gather —
scald
seethe
Na sala onde jamais se enluta
registrar
& escapadas armadilhas
um julgamento final
leopardo sob a sua pele
uma janela do lado ensolarado
natureza morta com buril
c/rancor
natureza morta c/punhais
tamanho de um cartão postal
nenhum mal acontecerá às bonecas
das quais eu sou a rainha
fantasmas se reúnem —
escaldar
ferver
…..
Snow
Snow comes down on New York City
the way I imagine the head touches the heart
bending over so gently you hardly notice
your whole body changes clothing
then moves on decisively, a temperature shift
so that you know now how you go
and what you feel is together in itself
a kind of batter pouring into the universe
you will later eat before it is cooked.
Neve
a neve cai sobre a cidade de Nova York
do jeito que eu imagino a cabeça tocar o coração
curvando-se tão delicadamente que você mal se dá conta
todo o seu corpo muda de roupa
então decididamente se move, uma mudança de temperatura
de forma que você agora sabe como irá
e o que você sabe está junto em si mesmo
um tipo de massa em enxurrada para o universo
você irá mais tarde comer antes de cozida.
NOTAS
[1] A monja Abutsu (c. 1222-1283), cujo nome verdadeiro é desconhecido, foi uma intelectual, escritora e poeta de origem nobre do Japão medieval, do período da dinastia Kamakura. Ela ficou famosa não só pela qualidade de sua obra, mas também por ter conseguido ocupar, com destaque, espaços predominantemente masculinos.
[2] Inspirado no poema do surrealista francês Paul Éluard (1895-1952), cujos últimos versos são: “Eu te asseguro que há coisas tão claras quanto esta história de amor; se eu morrer,/eu não mais saberei quem é você.”