Tradução e seleção: André Caramuru Aubert
Fox
I heard a cough
as if a thief was there
outside my sleep
a sharp intake of air
a fox on her fox-fur
stepping across
the grass in her black gloves
barked at my house
just so abrupt and odd
the way she went
hungrily asking
in the heart’s thick accent
in such serious sleepless
trespass she came
a woman with a man’s voice
but no name
as if to say: it’s midnight
and my life
is laid beneath my children
like gold leaf
Raposa
Ouvi um tossido
como se um ladrão estivesse lá
do lado de fora de meu sono
uma aguda ingestão de ar
uma raposa em sua pele de raposa
atravessando a relva com suas luvas pretas
latiu na minha casa
de um jeito tão inesperado e estranho
o jeito como ela veio
esfomeadamente pedindo
com o abafado sotaque do coração
naquela tão pesada insônia
ofensiva ela veio
uma mulher com voz de homem
sem nome
como se dissesse: é meia-noite
e minha vida
vive sob a de meus filhos
como uma folha de ouro
……….
Cold Streak
I notice a cold streak
I notice it in the sun
all that dazzling stubbornness
of keeping to its clock
I notice the fatigue of flowers
weighed down by light
I notice the lark has a needle
pulled through its throat
why don’t they put down their instruments?
I notice they never pause
I notice the dark sediment of their singing
covers the moors like soot blown under a doorway
almost everything here has cold hands
I notice the wind wears surgical gloves
I notice the keen pale colours of the rain
like a surgeon’s assistant
why don’t they lift their weight
and see what’s flattened underneath it?
I notice the thin meticulous grass,
thrives in this place
Maré de azar
noto uma maré de azar
noto isso no sol
com toda aquela ofuscante teimosia
de estar sempre na hora
noto o cansaço das flores
exauridas pela luz
noto que a cotovia tem uma agulha
atravessada na garganta
por que não largam seus instrumentos?
noto que nunca descansam
noto que o sedimento escuro, quando cantam
cobre os pântanos como fuligem soprada sob uma porta
quase tudo aqui tem as mãos frias
noto que o vento usa luvas cirúrgicas
noto as cores muito pálidas da chuva
como as de um assistente de cirurgião
porque não levantam seus pesos
e veem o que está esmagado, embaixo?
noto a relva cuidadosa e delgada
que viceja neste lugar
……….
Prayer
Here I work in the hollow of God’s hand
with Time bent round into my reach. I touch
the circle of the earth, I threw and catch
the sun and moon by turns into my mind.
I sense the length of it from end to end,
I sway me gently in my flesh and each
point of the process changes as I watch;
the flowers come, the rain follows the wind.
And all I ask is this—and you can see
how far the soul, when it goes under flesh,
is not a soul, is small and creaturish—
that every day the sun comes silently
to set my hands to work and that the moon
turns and returns to meet me when it’s done.
Prece
Eu aqui trabalho envolto pela mão de Deus
com o Tempo se dobrando ao meu alcance. Toco
o círculo da terra, lanço e apanho
o sol e a lua em turnos em minha mente.
Eu sinto a distância que há de fim a fim,
minha carne ginga suavemente, e cada
ponto do processo muda conforme observo;
chegam as flores, a chuva segue o vento.
E tudo o que peço é isso – e você pode ver
quão longe a alma, quando segue sob a carne,
não é uma alma, é pequena e animalesca –
que todos os dias o sol chegue em silêncio
preparar minhas mãos para o trabalho, e que a lua
torne e retorne para me encontrar quando eu terminar.
……….
Looking Down
Clouds: I can watch their films in puddles
passionate and slow without obligations of shape or stillness
I can stand with wilted neck and look
directly into the drowned corpse of a cloud
it is cold-blooded down there
precisely outlined as if under a spell
and it narrows to a weighted point which
throws back darkness
oh yes there is a trembling rod that hangs my head above puddles
and the clouds like trapped smoke wander under me
and the sun lies discarded on the tarmac
like an old
white
shoe
don’t go on about those other clouds
those high pre-historic space-ferns
that steam the windows of the wind
I know I could look up and see them
curled like fossils in the troposphere
but I am here
I have been learning here a long time hunched
under the bone lintel of my stare
with the whole sky
dropped and rippling through my eye
and now a crow on a glass lens
slides through the earth
Olhando para baixo
Nuvens: eu consigo assistir seus filmes nas poças
apaixonadas e lentas, sem obrigações de forma e perenidade
posso ficar com o pescoço encolhido e olhar
diretamente para o corpo afogado de uma nuvem
o sangue é frio lá embaixo
contornos precisos como se enfeitiçados
e se afunila até o ponto ideal em que
lança longe a escuridão
oh, sim, uma haste flexível segura minha cabeça acima das poças
e as nuvens, como fumaça presa, vagam sob mim
e o sol repousa rejeitado no asfalto
como um velho
sapato
branco
não vá ficar falando das outras nuvens
aquelas altas e pré-históricas samambaias espaciais
que enchem de vapor as janelas do vento
eu sei que poderia olhar para o alto e vê-las
onduladas como fósseis na troposfera
mas estou aqui
tenho aprendido aqui por um bom tempo, encurvada
sob a viga feita de ossos que é o meu olhar
com o céu inteiro
caído e murmurando através de meu olho
e agora um corvo numa lente de vidro
desliza pela terra
……….
A short story of falling
It is the story of the falling rain
to turn into a leaf and fall again
it is the secret of a summer shower
to steal the light and hide it in a flower
and every flower a tiny tributary
that from the ground flows green and momentary
is one of water’s wishes and this tale
hangs in a seed-head smaller than my thumbnail
if only I a passerby could pass
as clear as water through a plume of grass
to find the sunlight hidden at the tip
turning to seed a kind of lifting rain drip
then I might know like water how to balance
the weight of hope against the light of patience
water which is so raw so earthy-strong
and lurks in cast-iron tanks and leaks along
drawn under gravity towards my tongue
to cool and fill the pipe-work of this song
which is the story of the falling rain
that rises to the light and falls again
Um conto sobre o que cai
Esta é a história da chuva que cai
que vira folha e novamente se vai
é o segredo da tempestade de verão
para roubar a luz e escondê-la na vegetação
e cada flor um minúsculo afluente
que desde o solo flui verde e por um instante
é um dos desejos da água e este continho
preso a uma semente menor que a ponta do meu dedinho
e se eu só de passagem pudesse passar
límpida como a água a plumagem da relva atravessar
para encontrar a luz do sol escondida bem na ponta
se virando para um tipo de gota de chuva que semeada se levanta
então talvez como a chuva eu saiba como equilibrar
o peso da esperança e a luz de saber esperar
água que é tão bruta e tão forte de terra
que espreita em tanques de ferro e escorrega
arrastada pela gravidade e vem para a minha língua
refrescar e abastecer os encanamentos desta cantiga
que é a história da chuva que cai
que se ergue para a luz e novamente se vai
……….