Breve dramaturgia para corpos isolados
I
que exílio é viver
na república dos ressentidos
sem ser um ressentido
sem entender
a língua da picuinha
o gestual da vingança
sem saber como lidar
com a queda contínua
II
o silêncio é um osso entre nossos ossos
III
sombras enquanto somos
enquanto saímos dos abismos
enquanto repetimos gestos
plurais e vastos
amamos — às vezes —
pouco escondidos
— noutras vezes —
parcos
porcos
pois sobras alimentam
o que amanhã alimento será
IV
é tarde em nós
lá fora, homens britam nossos ouvidos
agitam seus corpos de pedra e fala
aqui, sussurros
breves pedaços de canções e piadas
alguma dor na espinha
ou no espinhaço
— conforme o dizer da avó —
lá fora, o tempo é uma fêmea atrasada
aqui, o que nos tornamos
sangra e salga memórias
traduz bestagens
chora um pouco
vulgariza-se
em suma,
talvez durma talvez suma
V
mas em nós
tem qualquer coisa de pulso
de voz que se abre
tem qualquer coisa de janeiro
sempre acontecendo
tem rosas também,
um jardim inteiro de noéis e guimarães
e tem alegria
que não pode ser comprada nem vendida
ela vem no sangue:
só sai de nós por doação