Poema de Nilson Monteiro

Leia o poema "Impressões de viagem"
Nilson Monteiro, autor de “Curitiba vista por um pé vermelho”
01/05/2005

Impressões de viagem
(crônica a Neruda)

Onde andas, poeta, como fantasma
grunhindo as tábuas do convés?

Onde passeias, leve, pipa entre as cores
dos varais e das casas penduradas nas escarpas?

Onde choras, líquido, em meio
às ondas largas e geladas do Pacífico?

Onde, plantas, mágico, teu coração
nas pedras, gelatinas de ostras endurecidas?

Onde, esfarinhas, versejador, tua alma
em estrelas, uvas bêbadas, cafés franceses?

Onde, fincas, amante, as âncoras
na vida, feira livre, de teu povo?

Onde, espalhas, boiadeiro, as crinas
de teus cavalos, relinchos selvagens?

Onde, anjo, sem alas, sem religião,
feito de renda branca da cordilheira,
tateias a pele desses muros?

Aqui, poeta,
aqui entre livros, mapas, bússolas, bananeiras
cerâmicas
e escadas,
as pessoas te chamam neste inferno de paixões
de anjo

Nesta cidade feita de ruelas,
peles, ondas, vinho, fumaça,
bodegas, teias, dores,
empanadas, penhascos que arranham o céu,
choclo e palta nos beiços dos pratos,
pisco e pinga nos copos,
funiculares ensandecidos

Descubro, num átimo, que amo
o atômico explodir da vida,
pedaços de gente esparramados
ao pé do cerro
sortidos em meio ao sebo do porto,
sentimentos espalhados sem cercas

Descubro que amo
cada arrulho de seus colegiais,
meias de lã, gravatas inglesas
achadas no passado,
maritacas de azul
gritando alegrias e mirando futuros
nas rachaduras da arquitetura

Descubro que amo
cada lágrima que desce
nas fendas molhadas da montanha,
vidro, cristal safira que fura os olhos
para embrulhar-se nos lençóis do Pacífico

Descubro que amo
cada suspiro de teu ar,
o cheiro pastoso de teu mercado,
cada célula de teus mariscos,
cada ensaio de vôo
de teus copos suados

Descubro que amo
cada farelo de tuas pedras
cada dor de seu paraíso
cada ritmo de teus versos
cada sentimento de entranhas,
das putas e das guitarras,
de ventanas, de pinturas
em paredes sem casca

Onde, poeta, é permitido sonhar
com este prelúdio salgado
desta sinfonia doce que
deram o nome de Neruda?

Aqui,
neste chão agarrado em Valparaíso,
madeira de porão do mar
tua casa de degraus
de mastros eriçados,
La Sebastiana.

Nilson Monteiro

Nasceu em Presidente Bernardes (SP). É jornalista em Curitiba. Autor de Curitiba vista por um pé vermelho, Simples e Pequena casa de jornal, entre outros.

Rascunho