Poema de Lorena Martins

Leia o poema "Báltica"
Lorena Martins, autora de “Corpo continente”
01/05/2021

Báltica

I
Como separar a noite
do dia, ou sussurrar no teu
ouvido
que já amanheceu
as semanas intermináveis
pratos na pia, lixo, caras
inválidas
como entender que estamos vivos
se as pernas pouco se movem
roxas e frias
neste inverno incansável, cinza
tu me trazes um copo longo, uma água pesada
uma pílula e diz
amanhã parece que vai ter sol, meu bem
com a voz adormecida
acende
a luminária verde
esgotando no meu peito
um pedaço
do teu rosto.

II
Queres a lenha pra acender o fogo?
aquecer?
Ou queres só este aroma de frio
de fim?

A lenha, eu guardo
é para queimar os pés.

III
O mar quando congela
deixa de ser o mar
serve para:
estarrecer os corações partidos
ludibriar os turistas
congelar as mãos

É o antimar
e eu o detesto, sua espuma congelada
me paralisa
inunda as minhas botas
não serve
para o poema.

IV
A noite branca
poderia ser um papel
bem fino.
Talvez pudesse ficar colada ao teu corpo, desmanchar-se –
o desejo imenso de te cobrir, vestir teu tempo
esparramar as tintas, a água, o suor

a noite branca sobre teu corpo.

V
De longe uma sombra, a margem
de um grande mamífero
de perto parecia a tua barba
um leão marinho sem ar
deitado sobre o gelo
estava muito frio
para devolvê-lo ao mar.

Lorena Martins

Nasceu em Dom Pedrito (RS), em 1982. É poeta, autora de água para viagem (2011) e corpo continente (2019). Atualmente, vive na Estônia.

Rascunho