Retrato, Agora
O jogo das sobrancelhas a deixar
ideogramas no seu rosto, pontuando
províncias psíquicas onde erram chances,
humores, uma tristeza vadia à espreita
num caos de beijos; o apego aos laços violentos,
nada, é curioso, tendo a ver com o aroma de
amêndoas no seu corpo; o gume e o brilho
das palavras com que retalha os dias;
e a pantera em seu andar, subcutânea,
minuciosa, a cabeça aprumada na insolência
do seu imoderado gosto pela vitória
não são fatos, nem mesmo logros, mas
começam a certeza demente do que
eu amo em você.
É bom vê-la basicamente remota
quando pensa ou decide, e assim me inicia
a toda hora na disciplina do inacessível.
Não sei ainda o que seja a lei em suas mãos,
mas creio em tardes justas, com narcisos refletidos
nas pérolas em queda entre esses seios
— sua mínima escatologia no amor.
E quero aquela santa impaciência, amiga
dos sagazes, nos guichês ou nos jardins,
e seu hábito de cantarolar na dor,
saudar olho no olho o desespero.
Seu retrato em traços rápidos e tino
e blefe vinte anos depois. Gestos novos,
novos códigos e Alhambras de intertextos
onde os sentidos alucinam. Pouco importa.
A alegria tem no rastro uma destreza;
e se somente o sono celebra a estranheza
do que nunca mais será como antes,
o risco faz a lenda dos amantes.