Esse caminhar
Antes a turva entrega à cega certeza
Sem voz, o laivo de sangue da conquista.
Tempo de encontros abertos como navalhas
Apalpando a tentação da veia definitiva.
A solidão da embriaguêz ofereceu-me
Ilhas com restos de sonhos abandonados
Em mesas e camas de putas generosas.
A memória mostrava portas funestas
Quando eu pedia a piedade de não saber
E o sol revelava a dor irônica do azul
Engolindo a sombra alegre dos homens
Que se queriam deuses renovadores
Como se não existissem as máquinas
Depois das feridas, da carne aviltada,
Da alma mutilada, da palavra inútil.
Segue-me a sombra da escada
A curva da janela no vento opaco
As luzes inquietas da noite indecisa,
O céu pronto na esquina invisível.
Cheguei aos frutos da ilha verdadeira
Umilde e orgulhoso como sacerdote
Que sacrificava ao amor para sempre novo
Todas as sedas tecidas nos tempos da lua.
O líquido materno da escuridão trouxe,
Com passos prudentes, companheiros,
Cobertos pela salsugem do despertar,
Que nunca se perderam nas armadilhas
Ou nas vantagens covardes de viver.
Um sabia de mar e velas, outro de cores.
A astúcia do nunca mais os venceu sem glória.
Esse caminhar, retornos e distância
Não me abandonam. Insiste a ausência,
A permanência da miragem construida.
Longa viagem longe do albatroz
Consolador de Baudelaire, acariciando
Cormorãos domésticos em armários,
As asas desenhadas em panos de sofá.
Andei em busca de minúsculas estrelas
Nos muros sujos do anoitecer convexo,
Da virgindade impaciente da neblina
Pronta a rasgar-se nas manhãs sem rumo.
Ed è morte
uno spazio nel cuore. (Salvatore Quasimodo)