Poema de Alcides Buss

Leia o poema "Pós-Humano"
Alcides Buss, autor de “A culpa está morta” Foto: Larissa Gandolfi
01/07/2003

Pós-Humano
Para Sérgio Bellei

Oh que saudades eu tenho
do tempo da brilhantina,
eu às voltas com um sapo
(parnasiano)
e a cafetina metida
a dona de minha cama.

Nas tardes de sábado
ficava a lavar meu carro
— o toca-fitas estéreo
rodando Roberto Carlos.

Oh que saudades eu tenho
da máquina Olivetti.
Era ela que me guiava
pelas estradas do sonho.

Agora o micro-chip
se apodera de mim.
Em cada esquina um robô
vai dizendo não sim, não sim.

Oh que saudades eu tenho
da lua arregalada
feito égua no cio
nos olhos de minha amada.

Agora, o que sobra?
Oh, tenho este sol digital
pra secar (e dissecar)
as minhas lágrimas.

Ai que saudades eu tenho
de morrer. O mundo
se escondeu no penúltimo trem
Brasil-Bolívia.

Se eu fosse para a China
levaria um cântaro de ruas
no umbigo
e o retrato de minha mãe.

Oh que saudades eu tenho
do caderno de deveres
onde meu corpo deitava
com a mais bela da sala.

Agora, olha eu aqui
nesta província cósmica.
Meu mundo (de longe)
é a ponta de um percevejo,
um lampejo, mais nada.

Se me chamasse Raimundo?
No fundo de mim, a esmo,
só encontro a saudade
de como eu era infinito
em forma de um cupinzeiro.

Alcides Buss

É autor de mais de vinte livros de poesia, entre eles Janela para o mar (Caminho de Dentro Edições, 2012). Coordena o Círculo de Leitura de Florianópolis.

Rascunho