Depois da vasta camelotagem com palavras de frente altiva e verso livre e gasto, o poeta resolve concorrer a um emprego fixo, entregando à nova escola literária do bairro breve curriculum vitae, um memorial e o pedido de emprego:
1
Do princípio
ao fim,
preci pício
de mim.
2
(Tudo o que fiz
aqui disfarço:
foi por um triz
ou por acaso).
3
Quero o emprego
para o meu ego
impertinente,
que mexe e sente
o que carrego
ou mesmo nego
e invento em mim:
metade sim,
metade não,
na contramão.
Por isso, passo
fora do traço.
Combato e sigo
meu inimigo.
(De tão antigo,
levo comigo).
Salto e tropeço,
trapaço e peço,
mudo o cenário,
que é um e vário,
da língua-rio,
onde desfio
palavras loucas,
todas barrocas,
entre tramóias,
perdidas bóias
do meu sonhar,
indo pro mar.
Com elas quero,
pra ser sincero,
só trabalhar
à beira-amar;
fazer da aurora
um sempre agora
de carne e sonho,
tal qual suponho
tu romperias,
todos os dias,
ó minha amada,
de madrugada.
Chega de lero,
pois eu só quero
o que não tenho:
aí me empenho,
aí emprego
todo o meu ego.
Dou como exemplo:
caçar o tempo.
Vou ao futuro
vê-lo mais puro;
volto ao passado,
vejo-o enrolado
com o presente,
mordendo a gente,
esquiva cobra
que se desdobra
em formas mil:
trama sutil,
corpo coral,
liso animal,
que logo enlaça
o dia que passa,
ferindo pleno
com seu veneno
as coisas vivas,
do sol cativas
(ou que às escuras
pulsam mais puras).
Espero o bicho.
Teimo e capricho
a voz do verso,
uno e diverso,
para pegá-lo
pelo gargalo,
ao vê-lo manso,
enquanto lanço
o canto certo,
assim por perto,
ou a melodia
que ouviu um dia
em longes eras,
entre outras feras.
Preparo o laço
que eu mesmo faço.
Armo a tocaia
para que caia
ali, onde, onde
rubro se esconde:
(ó tempo meu,
flauta de Orfeu,
tocando triste
tudo o que existe!)
dentro de mim,
do início ao fim.
* O poema aqui publicado pertence ao livro O suor dos sentidos, a ser lançado em breve.