Poemas de Philip Lamantia

Leia os poemas traduzidos "Poemas de outono", "O lamento do passarinheiro", "Para começar então, não agora", "Lá", "Ano-novo" e "O talismã"
Philip Lamantia, poeta norte-americano
30/06/2018

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

Autumn poems

1.
Under autumn clouds, bird shaped,
Pursuing the winds carving
Our faces in the rocks,
I take you in rapt fury
And before Time’s calm indifference.

2.
Today I am seized by the rain.

The rain walks, runs about in your heart,
I feel it moving, flooding the veins,
Lying in wait for my entrance.

3.
I feel the turning leaves
On your trembling thighs;
Know silence to be water
Flowing in the darkness
Of a season of sighs.

This love’s knowing silence
Flows toward divinity;
Is a finger of light
Upon grains of sand:
Our golden stars of infinity.

Poemas de outono

1.
Sob nuvens de outono em formato de pássaro,
Perseguindo os ventos que esculpem
Nas pedras as nossas faces,
Eu a tomo em extasiada fúria
E diante da calma apatia do Tempo.

2.
Hoje estou cercado pela chuva.

A chuva caminha, corre em seu coração
Eu a sinto mover-se, inundando os veios,
Deitada à espera de minha entrada.

3.
Sinto as folhas girando
Nas suas coxas trêmulas;
Sei que o silêncio será a água
Fluindo na escuridão
De uma estação de suspiros;

Este amor vai conhecendo o silêncio
Flui rumo à divindade;
É um dedo de luz
Sobre grãos de areia:
Nossas estrelas douradas de infinitude.

…..

Birder’s lament

Robin, rare Robin at my window
below the introduced tree, pecking black seeds
Blessed be, this
otherwise difficult day
gracious vision, Robin, of your mandibles
to counterbalance the Killdeer birds crushed
on their nests by giant tractors at Crissy Field

O lamento do passarinheiro

Sabiá, raro sabiá na minha janela
debaixo da árvore intrometida, bicando sementes negras
Louvado seja, este
em outros aspectos um dia difícil
visão graciosa, Sabiá, de suas mandíbulas
a contrabalançar os quero-queros esmagados
em seus ninhos pelos enormes tratores no Campo Crissy .

…..

To begin then not now

The skylight drowns
as you walk into my voice
carrying a box of flames
entirely secretive
you tap open by the charmed hairpin
of the mysteries of sleep

Para começar então, não agora

A claraboia submerge
enquanto você caminha para dentro da minha voz
trazendo uma caixa de labaredas
totalmente secreta,
você a abre com o grampo mágico
dos mistérios do sono

…..

There

on that chain of Ohlone mountains
shafts of light on a bobcat
through the thick madrones
first seen emblems that endure cupped my nine years
the great booming voice of nature
in the red bark’s sloping labyrinth
who called my name
fetishes of pebbles and tabac in a redwood pouch
secret house of bark between the branches
these lights never die whose embers glow wilder
than wilderness at the beginning of words
to catch the ring of stars
at the still point
of infinite sur-rational flight
all was bathed in red
according to the perfection of temporal mirrors
elastic time in the gape of memory
visionary recitals in the exultant spring oblivious to the sea

naquela cadeia de montanhas Ohlone
feixes de luz num lince
através dos grossos madrones
símbolos primevos que guardam em concha meus nove anos
a grande e explosiva voz da natureza
no labirinto curvado da casca vermelha
que gritou meu nome
fetiches de seixos e tabaco numa bolsa de sequoia
casa secreta de casca entre os galhos
luzes que nunca apagam cujas brasas brilham mais selvagens
do que a selva no começo das palavras
a pegar o círculo de estrelas
no ponto fixo
do infinito voo sub-racional
tudo estava banhado em vermelho
de acordo com a perfeição dos espelhos laicos
tempo elástico no bocejo da memória
recitais visionários na primavera que exulta indiferente ao mar

…..

The new year

Into our lives falls, unsteadily,
A rush of the moon’s light,
And only a few drink of it
With the veins of the body.
Who stand possessed in the night air
Or fired by cooling drops of rain,
Washing away the evil within them,
— Who, but those bearing love,
Entwined in another world,
In another time?

The air changes.
The scene escapes me.
Suddenly, I am reminded of you,
The ruling classes of a dying age,
Impotent parvenus
And arrogant fakers,
Sweating away in the whirlpool
Of unprincipled action
And wielding your passionless power.
I look angrily about me
— To the streets where people,
Become targets, will fall dead
And the wounds of war will again
Spill blood over your lives,
Crossed with guilt
And sealed in a lie.

Ano-novo

Em nossas vidas cai, hesitante,
Num golpe a luz da lua,
E só uns poucos bebem dela
Com as veias do corpo.
Quem no ar noturno permanece, possuído
Ou queimado pelas refrescantes gotas de chuva,
Lavando a maldade que nelas há,
— Quem, senão os que levam o amor,
Entrelaçado a um outro mundo,
Um outro tempo?

O ar muda.
A cena me escapa.
De repente, me vem a lembrança de vocês,
A classe dominante de uma época moribunda,
Impotentes novos-ricos
E arrogantes falsários,
Transpirando no redemoinho
De inescrupulosas ações
E empunhando seu poder sem paixão.
Olho enraivecido para mim
— Para as ruas onde as pessoas
Se tornam alvos e cairão mortas
E as feridas da guerra irão novamente
Derramar sangue por suas vidas
Atravessadas pela culpa
E cerradas numa mentira.

…..

The talisman

Only for those who love is dawn visible throughout the day
and kicks over the halo at the pit of ocean
the diamond whirls
all that’s fixed is volatile
and the crushed remnants of sparrows travel without moving

I find myself smoking the dust of myself
hurled to the twilight
where we were born from the womb of invisible children
so that even the liver of cities
can be turned into my amulet of laughing bile

Melted by shadows of love
I constellate love with teeth of fire
until any arrangement of the world presents
to the eyes at the tip of my tongue
becomes the perfect food of constant hunger

Today the moon was visible at dawn
to reflect o woman the other half of me you are
conic your breasts gems of the air
triangle your thighs delicate leopards in the wood where you wait

O talismã

Somente para os que amam é a aurora visível ao longo do dia
chutando sobre o halo no fosso do oceano
o diamante rodopia
tudo o que fixo é volátil
e restos esmagados de pardais viajam sem sair do lugar

Me vejo fumando a poeira de mim mesmo
arremessado para o crepúsculo
onde nascemos dos ventres de crianças invisíveis
de modo que até mesmo o fígado das cidades
podem ser transformados em amuletos de risonha bile

Derretido pelas sombras do amor
eu faço do amor constelação com dentes de fogo
até que algum arranjo do mundo apresente
aos olhos na ponta da minha língua
e se torne o alimento perfeito para a fome constante

Hoje a lua estava visível na aurora
para refletir, ó mulher, a outra metade de mim que é você
coniformes seus seios, joias do ar
triângulo suas coxas delicadas onças na mata onde você aguarda.

 

Philip Lamantia (1927-2005)
Foi um dos mais influentes poetas norte-americanos na década de 1950. Nascido em San Francisco, acabou por se tornar, ao lado de Kenneth Rexroth e Lawrence Ferlinghetti, um dos principais mentores dos movimentos Beat e San Francisco Renaissance. Lamantia foi muito influenciado pelos surrealistas franceses, especialmente André Breton, de quem foi amigo.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho