Tentava inutilmente convencer a mãe de que sofria bem mais que a família do morto. Há quarenta anos tentava convencê-la. E como resposta um silêncio longo, um lento balançar de cabeça, um meio sorriso com os olhos.
Vivia quase prostrado, parecendo muito mais velho do que ela. Na verdade, sentia-se mais seguro estando preso: aprendera a se proteger nas paredes escuras, evitando como um morcego a luz vinda da janelinha alta. Não se pendurava, qual os outros prisioneiros, nas grades para ver os movimentos da rua; quando muito, permitia-se acompanhar o vôo triste dos urubus que se perdiam na imensidão, flutuando até se tornarem pequenos pontos negros. Nada o fazia mostrar o rosto a descoberto. Sua mãe, a única a ir visitá-lo, somente o enxergava através do espelhinho de mão, e mesmo assim depois de longa busca na penumbra da cela. Ele — que sempre fora moreno — adquiriu uma cor amarelada, de uma palidez doentia.
Ao deixar a prisão ninguém se lembrava mais dele. A mãe o desconhecia e às vezes vasculhava-lhe as faces procurando um traço sequer de seu filho antigo, daquele rapaz exigente que não vestia duas vezes a mesma camisa… que encontrava defeito em tudo.
Ao voltar para casa, preferiu a calma da noite. Atravessou a cidade inteira seguindo de longe os passos da mãe, como se quisesse retornar. E tendo por testemunha apenas um galo (que tentava contar aos outros o que via) com o seu canto triste. Acostumou-se à escuridão da casa, que janelas nunca mais foram abertas desde aquele dia. Acomodou-se feito um móvel antigo, desses que os pais herdam dos avós e passam aos filhos. Não dizia palavra, mas tentava inutilmente convencer a mãe de que sofria bem mais que a família do morto.
Não dormia duas vezes no mesmo canto, peregrinava na amplidão da casa, e até a mãe tinha dificuldade em localizá-lo na hora de deixar a vasilha com a pouca comida de todo dia. Vez por outra, quando o encontrava cochilando, escorado em alguma parede, perdia-se na tentativa inútil de encontrar o filho naquele emaranhado de linhas que era seu rosto.
Os dois não se falavam desde o triste dia: ele com suas dores e seus cabelos brancos; ela com suas vergonhas, suas culpas. Calaram-se, como se houvessem compreendido a inutilidade das palavras, o quanto elas poderiam agravar tudo aquilo.
E o que restava a ele era vagar pela casa noite adentro, escondendo-se em algum canto para cochilar durante o mormaço da tarde, enquanto ela preparava a comida de sempre e saía à sua procura pela imensidão da casa, a mesma vasilha encardida pendendo entre as mãos.