Paulos e Potters valem a pena?

O que fazer com tantos títulos comerciais que estão sendo editados? Ler.
01/06/2001

O que lê a dona de casa sentada ao seu lado no ônibus? E aquele rapaz, manobrista do estacionamento? Qual foi o último romance comprado pelo seu vizinho? Quanto tempo faz que o empresário que parou ao lado do seu carro no sinal vermelho não ganha de presente um bom livro de suspense?

Sempre que estou fora de casa, procuro pessoas com livros na mão. Quando acho alguém, e sempre acho, sinto vontade de conversar. Sinto aquela pessoa como uma velha amiga com quem tenho muita coisa em comum. Minha preferência pelo suspense leva-me a pensar numa senha entre espiões, usada para se reconhecerem na multidão, ou membros de uma seita secreta. Mas meu lado prático resiste, empurra o espião para a cadeira ao lado e, cabisbaixo, pondera que o número de leitores ainda é muito pequeno.

Não desejo comparar nosso mercado editorial com os de outros países, pois este tipo de referência normalmente não é conclusivo mas, em termos absolutos, lemos muito pouco. Universitários não lêem. Profissionais liberais não lêem. E a dona de casa? E o rapaz do estacionamento, o empresário, a caixa de supermercado, o médico, o engenheiro, o servente do posto de gasolina, o dono do restaurante, o porteiro do seu edifício?

E você?

“Mas livro é caro”. É claro que livro é caro. Um lançamento em capa dura, ilustrado, importado, custa realmente muito caro. Mas e as edições de bolso? E os sebos? E as feiras de livros usados? E as editoras e livrarias virtuais? Pelo preço de um lançamento caro você pode comprar até dez livros usados. E, inevitavelmente, o lançamento de hoje é o livro usado de amanhã.

Não gosto de pensar que um livro tenha preço. Um livro tem “valor”. E acrescentar este valor ao nosso patrimônio cultural muitas vezes vai demandar uma decisão que, para muitas pessoas, vai além da questão “será que o livro é bom”. Muitas vezes é uma opção entre o livro ou outros gastos. Conheço pessoas que preferiram passar o mês inteiro comendo pão com banana ou arroz com alface, mas investiram determinado valor no seu patrimônio pessoal. Com isto quero dizer que, como em tudo na vida, ler é uma questão de opção. Existem ainda as bibliotecas ou, até mesmo, amigos que emprestam livros. Alternativas existem, desde que as pessoas desejem procurá-las.

E você, deseja?

Acredito que poucos livros de qualidade vêm sendo escritos para o grande público. Produz-se pouca literatura de entretenimento de boa qualidade. Refiro-me àquele livro que o leitor leva para a rede na varanda de sua casa. Que leva para o banheiro, para o quarto, que deixa embaixo do balcão e para onde suas mãos e olhos retornam a cada instante livre. Parece que os autores ainda desejam produzir para as academias e para os críticos. Mas e o leitor? Quem escreve para o leitor? Não quero dizer com isto que seja necessário produzir textos visando exclusivamente o mercado, sem que se preocupe com a qualidade e com a responsabilidade do que se escreve e para quem se escreve.

No mercado literário dos Estados Unidos, que é provavelmente o maior do mundo em volume de recursos empregados em divulgação, em número de publicações, em vendas, produz-se de tudo. Para todo mundo. Empregadas domésticas, professores, jornalistas, estudantes, e por aí afora. E por que vendem de tudo? Porque o professor de física não lê somente tratados de física. Adora espionagem e é fã de John LeCarré. A professora de história está terminando seu doutorado, mas tem todos os livros de Susan Sontag. E o caixa da papelaria? Viciado em policiais e reportagens investigativas. E os milhões de “vovós”? Provavelmente fazem parte de grupos de discussão pela internet sobre a obra de Nicholas Sparks.

E no Brasil? Livro é para a elite intelectual. E a elite não pode dizer que está lendo um bom romance histórico, um livro de contos ou uma coletânea de ficção científica. Só se fala em livros de sociologia, economia e política. Já está na hora de parar com isto. Pessoalmente acho Danielle Steel uma das piores autoras que já li. Mas eu li. E você? E vou fazer uma confissão. Fiz uma experiência. Depois de 10 páginas escrevi o que eu achava que iria acontecer no resto do livro. Quem iria casar com quem, quem iria morrer etc. E a coisa piora ainda mais: li somente os diálogos. E piora ainda mais: acertei 100% das minhas previsões.

José Paulo Paes no livro A Aventura da Literatura defende o aumento de uma produção literária que não é bem vista pelos intelectuais pois é “comercial” ou (benzam-se!) “literatura de entretenimento”. Em outras palavras, vende muito. E, claro, assusta. E, claro, dá uma bruta inveja. Mas o que os sábios de carteirinha não percebem é que, um sucesso de vendas como a série Harry Potter, da escritora xxxxx, está formando um futuro (e imenso) mercado. A criança que hoje lê as histórias do bruxinho inglês, no ano que vem vai se interessar por Monteiro Lobato. E em seguida por outros autores. Pode até passar por um ou mais livros de Coelho, mas vai querer mais. Vai querer, Machado, Amado e Rodrigues. Drummond, Camões e Cummings. Vai querer, cada vez mais, livros com conteúdo.

É claro que existem livros ruins, que não merecem ser lidos. E existem autores péssimos, que não conseguem articular duas idéias de forma coerente. Mas estes não sobrevivem. Quando então pergunto se autores da qualidade de Paulo Coelho valem a pena, eu afirmo que sim. Quantas pessoas não utilizaram os livros de Coelho como um degrau para obras mais profundas e de outros gêneros? Para quantas pessoas o autor de Brida e outros bruxedos não serviu como um artifício para acordar para o maravilhoso patrimônio cultural que é um livro? É claro que existem aqueles que nunca mais vão ler nada diferente. Mas, também, o que diferencia estes leitores daquele intelectual que só lê teses acadêmicas? E você? Pessoalmente acho que, para a população, Paulos Coelhos e Harry Potters, magos brasileiros ou ingleses, não só valem a pena com que foram escritos, como valem a pena ser lidos.

Fábio Marchioro
Rascunho