Para todos, o céu. Olhou pela fresta entre os dois prédios. Azul. Cabo Frio. Rio. A carne seca com abóbora ainda pesava. Precisava dormir. Ou acordar. Quarenta quilômetros de congestionamento depois da ponte. Para Niterói. Os ossos doem. Será que viu mesmo Alaíde Costa no Santos Dumont? O dinheiro saiu cheirando do caixa automático. Café com coca-cola. Ligou. Férias depois de três anos. Batente pesado. Profissão: enganação com letrinhas. Sem remorso. Há uma semana fora de casa. Contas mais ou menos pagas. Cinco filhos com recomendações para serem desobedecidas. A lata com motor e rodas embicou na estrada. Seja o que Zeus quiser. Sampa. Primeiro estágio. É carnaval, é hora de parar. Sentimento, em seu peito tinha demais. O subúrbio é seu país. Estacionou na esquina da infância. Construíram um caixote no terreno onde nasceu. Olhou bem. O corredor onde descia de carrinho de rolimã, ainda lá. Sentiu uma dor no saco. Quase perdera uma bola numa derrapada. A meia-água nos fundos. Minúscula. Dali saiu para ver todos os balões do mundo coalhando o céu depois do gol de Zito. Final da Copa de 62. O primo morava na casa da frente. Único remanescente na cidade louca. Visita. Zona Leste do mundo. Jardim Iguatemi. Mocó inacabado. Amontoado de gente. Filha mais velha (20 anos) trepa e engravida. Sala dividida por cortina rendada. Mais um quarto. Três crianças. O casal e o bebê de dois meses. Cinco metros de largura. O terreno. Corredor de 1,30m. Um cão fedido amarrado a um fio de arame chumbado no cimento sujo. Não tem nome. O olhar dele é o mais triste do mundo. Vai morrer ali naquela coleira. Os outros também. Inclusive a segunda filha do primo. Dezesseis anos. Barriguda. De açúcar. Cinco quilos por mês. Dono da casa, diabético. Cento e vinte quilos. Viciado em arroz e coca-cola. A mulher trabalha, fofoca e despeja toneladas do produto branco na salada de frutas. Não há salvação. Um carrão reluz na garagem. Fugir dali é preciso. Olha para o colégio onde tinha uma turma. Todo pichado. Como a cidade. Atravessa a ponte da pobreza. Vai à represa de Guarapiranga. Clube classe média. Convite para churrasco. Um toró estraga tudo. Percorre um bairro chique. Casas lindas. Muitas para vender. Todos fogem dos assaltos. Notícias do Planalto nos intervalos. Café da manhã em padarias maravilhosas. É o descanso. Foi. Para a Dutra. A ameba da megalópole se estende até o primeiro dos quatro pedágios. Paga-se para respirar. Cento e cinqüenta por hora. A vida por um fio. Recebe um toque sutil na coxa direita. A companheira toma conta. Só assim sobrevive. Sinal da cruz em Aparecida. Comida pesada no restaurante. Tem medo de comprar Kapeta. Guaraná com catuaba. Acha que pode ficar doido de vez. Chega ao destino. O amigo do amigo anfitrião nasceu na terra dos pais. Alagoas. Marechal Deodoro. Nunca entrou numa das centenárias igrejas. Só na de crentes. Cara e língua de Vicentinho. Caiu cedo no mundo para conhecer a vida. Que inveja! Morou com traficante. Andou de Mercedes a 240 por hora. Fugiu da branca. Agora quer embuchar uma mineirinha. Filha de deputado. Para garantir o futuro. Dele. Emoções. O mar é lindo. Água transparente. Cabo Frio lotada. De pobres. As ruas fedem a merda. Como Palmeira dos Índios, estação inicial e final de José e Josefa, os progenitores. O canal dos bacanas é esgoto a céu aberto. Carros com som funk cruzam a zorra. Meninas enterram biquínis, bermudas e calças até sangrar. Oferecem a mercadoria. Ele anda pela praia às cinco da manhã. Vê o sol nascer atrás do farol. Vai conhecer o refúgio de Didi. Rio das Ostras. De Bardot. Búzios. Precisa respirar. São Pedro não ajuda. Dorme, come, flatula, defeca, faz sexo e lê. Espera o fim das férias dos outros. Torce para a cidade esvaziar. Quer sossego. Acha que está entorpecido. Depois da carne seca com abóbora. Comida com colher. Deita no chão de lajotas brancas da pequena sacada do apartamento. Céu azul. Para todos.