Tradução: Hugo Almeida
O homem tem um aspecto rude. Cabelo ralo, espetado. Roupa escura, nem esportiva nem elegante, calças comuns e jaqueta simples. Não chamaria atenção, no seu assento individual do ônibus interurbano. Os passageiros, a essa hora — é meio-dia —, cochilam voltando de seus trabalhos ou conversam, comentando suas compras. Alguns escolares adolescentes riem e falam em voz alta. Ninguém olha em especial para esse homem.
Ele tampouco olha para alguém, nem deixa, como os outros, vagar a vista do outro lado do vidro de sua janelinha. O que faz? Coloca cuidadosamente uma pasta sobre os joelhos, tira dela uns papéis, apoia-os sobre a pasta depois de fechá-la, busca num bolsinho uns óculos de leitura, uma caneta de aspecto tão comum como o resto… e começa a escrever.
A pasta lhe serve de escritório improvisado. A pasta… Observando-a bem, parece dessas que se usam para levar um notebook. Mas é incongruente com sua figura, sua roupa, sua aparência de homem simples. Ou será isso um preconceito? O homem escreve à mão, com esferográfica azul em folhas brancas. Estas parecem com as utilizadas para imprimir o que se escreve em computador. No entanto, ele escreve à mão. Sua letra, letra de fôrma, traços quadrados, bem alinhados à folha, é enorme. Tanto que é possível ler, do outro lado do amplo corredor do ônibus, os fragmentos que sua mão e seu braço não cobrem.
Na primeira linha, a data e a hora. Uma carta? Não, as cartas não têm a hora. Ou têm? Quando se quer deixar claro o momento em que foi escrita? Não, não é o normal. E a segunda linha não menciona o destinatário. Não, não parece carta. A primeira frase da segunda linha lê-se claramente: “Hoje é um dia especial”. Abaixo, se podem vislumbrar palavras soltas: “tinha”, “angústia”, “amor”.
O homem escreve com lentidão e empenho. Detém-se e, antes de continuar, relê o que escreveu, com um movimento de lábios que indica uma leitura em voz baixa, como confirmando as ideias ou o tom de seu texto.
Acaba de completar a página com sua escrita trabalhosa e infantil, e vira o papel. O verso da página, branco e vazio, parece fazê-lo duvidar. Após um momento, com gesto decidido, escreve — iniciando a linha, a frase, a página, a objeção: “No entanto”.
É isso que diz? Não é fácil agora seguir lendo. O ônibus foi se enchendo de passageiros, muitos de pé. No entanto… “No entanto” parece abrir a página. Para quê?
De repente, com um gesto abrupto, olha uma única vez pela janela, guarda rapidamente seus papéis e a caneta na pasta, levanta-se e se encaminha para a porta de saída. Ao chegar à parada, desce; a pasta na mão.
É possível vê-lo, ainda, quando o ônibus retoma a marcha, parado na esquina, olhando a rua que talvez deva atravessar para chegar. Onde? Um vago sorriso percorre seus lábios quando, com um movimento leve de cabeça, como quem se dá conta de uma distração ou um erro involuntário e pequeno, tira os óculos que tinha esquecido sobre a ponta do nariz, e os guarda num bolsinho interior da jaqueta.
A mão se detém um momento ali, como tocando seu peito, do lado esquerdo, como sentindo o ritmo do coração que, é possível pensar, disparou, enquanto um sorriso, agora pleno, o faz resplandecer sob o sol, distinguir-se claramente contra o cinza da calçada, luminoso, quem sabe, como um futuro prestes a começar.