No feofó, vocês todos. Tomar no olho. Vão encher o saco de outro. Agora vão dizer que eu não posso? Trabalhar com o meu ofício?
Vivo nesse puta sacrifício, sem dinheiro para o bar. Na pendura, no sufoco. Tirem-me a oficina, o que faço? Tem hora que tenho de agüentar cada sapo escroto.
Vem dona de casa mostrar romance. Estudante querendo ser Dante. Poeta psicodélico. Jornalista analfabeto. Ganho meu dinheiro honesto, fiquem sabendo. Honesto.
Ensinando o que eu sei. E o que eu não sei também. Por exemplo: enxugar os advérbios. Xô, adjetivos. Não me conformo. Por que tanta gente ainda começa um livro com frases do tipo: “Numa bela manhã de setembro”?
Porra!
Isso quando não escolhem novembro, dezembro. E o calendário todo, as estações do ano. Apelam para as “entranhas”, gostam de palavras cafonas, rimas estranhas. Metem crepúsculo em tudo que é lugar-comum. Vou derrubando um por um. A saber: “a chuva cai lá fora”. Qual chuva que não cai, ora bolas? E lá fora, então, é onde ela deve pingar, enxurrar. Não aqui dentro. Se chover aqui dentro, se levar meu sofá, se estragar meu apartamento, aí, sim, explico: a chuva pode dar um conto. Uma crônica. Um poema.
Querem saber de mim a diferença. O que é poesia? E prosa? Quais os tipos de narrativa? Quais escolas? O que eu acho sinceramente do Rosa? E do Ulisses? Leu, não leu? Professor, como usar, ponderadamente, um palavrão?
Minha vontade é responder: porra, caralho, buceta cabeluda! Mas fico calado. São os ossos do ofídio. Aliás: do ofício. É a minha luta. Por isso é que me pagam. Faço cara de mestre e todo mês, todo semestre, é essa grana que me salva. Podem escrever aí, no jornal: É ESSA GRANA QUE ME SALVA. Se eu fosse depender de direito autoral, prêmio, estava fodido, morria na merda. Mesmo com tantos livros publicados, ora essa. Luto para não feder no esquecimento.
Lembro da história do João Antônio, não lembram? Encontrado morto depois de duas semanas. Largado às moscas. Isso porque bateram na porta e arrombaram. Avisados pelo vento da carniça. Na posteridade, esse não entra.
Aí vêm e me perguntam: quem fica e quem não fica? O senhor acha mesmo que a sua oficina melhora a escrita? Levanta uma obra? Repito: levanta uma grana.
Agora deram para torrar o meu juízo. Abrir sindicância. Eu não estaria pior na ABL, tomando chá de canela? Pelo menos aqui estou trabalhando. Estou sendo útil. Estou colocando a roda para rodar. Quem sabe revelar outros talentos?
Pelo menos na oficina eu faço novos amigos. Muitos aliados. Todos comparecem aos meus lançamentos. Fazem fila para me pedir a bênção. Tem gente que me telefona todo tempo. Quer ler uma frase, discutir um personagem. Eu ouço, eu tenho calma. Eu preciso deles. Eu até aviso: olha, eu moro sozinho. EU MORO SOZINHO. Se eu demorar a responder, se eu não atender, se eu não aparecer, chamem a polícia. Chamem o bombeiro.
O que tem de escritor que morre em queda de banheiro!