Passo a semana trabalhando muito bem, fazendo tudo o que é esperado de mim e evitando qualquer desavença. Capitulo no início de todos os conflitos que surgem, cedendo em divergências ou discussões. Aceito todas as desculpas oferecidas e também as ofereço a quem quer que seja. Sou previsível e inofensivo no trabalho. Meus colegas me olham como se olha a mobília de um lugar. Mas não de qualquer jeito — com um certo carinho até, com gratidão, como se estivessem olhando para um sofá familiar, confortável, de boa qualidade.
Na sexta-feira, ao fim do expediente, passo em casa rapidamente para tomar banho e trocar de roupa. Então desligo o gás, tiro algumas coisas da tomada, fecho as cortinas, faço uma mochila com uma muda de roupa e uns itens de higiene, e saio novamente.
Às vezes, sinto que não devo pegar o carro. Então, peço um Uber ou começo a caminhar. Por vezes, vou ao terminal de ônibus e, como se estivesse tateando no escuro, ando de placa em placa até chegar a linhas das quais nunca ouvi falar e apanhar o primeiro ônibus que aparece. Alguns meses atrás, peguei um que me deixou no terminal de uma cidade vizinha, onde apanhei outro que me levou para uma vila afastada, cercada de bananais.
Semana passada, saí de carro e o estacionei a duas quadras de uma rua com muitos bares. Caminhei por ali um tempo e entrei num lugar que já estava cheio. Pedi uma dose de cachaça e um chopp. Virei a dose e tomei o chopp observando o espaço.
Se não converso com ninguém num primeiro local, com certeza converso num segundo, ou terceiro, ou quarto. Mas nunca demora tanto assim. Minha beleza não é tão grande a ponto de intimidar, e nem tão apagada a ponto de eu não ser notado ou ser rejeitado pela maioria. É uma beleza boa para iniciar conversas e mantê-las vivas, seguindo um fio agradável.
Semana passada, conversei com duas mulheres e um rapaz nesse bar. Estavam no balcão, como eu. Perguntei se sabiam por quanto tempo ainda haveria promoção de chopp em dobro e disse que tinha que me planejar para aproveitá-la ao máximo. Começamos a falar da alegria de estarmos numa sexta-feira, num lugar com chopp em dobro, com boa música.
Depois de alguns minutos, falaram que iriam fumar e me perguntaram se eu fumava. Não o faço regularmente, mas sempre tenho uma carteira no bolso no fim de semana. Fumamos juntos e conversamos mais e pedimos mais chopps. Paguei shots para nós quatro. Depois de um tempo, disseram que tinham que ir para um outro lugar, para um aniversário, e perguntaram se eu não queria ir junto. Topei e entrei no carro do rapaz, no banco de trás, com uma das mulheres, que sentou próxima e apertou meu braço e colocou a mão na minha coxa. Era massoterapeuta e também trabalhava com festinhas de criança com a irmã e o cunhado. Contou que, uns anos antes, se vestia de princesa nas festas, mas se cansou e agora trabalhava com a decoração e os doces. Sua amiga, no banco da frente, trabalhava num posto de gasolina e também fazia entregas de moto. O rapaz não tinha falado sobre trabalho. O carro tinha o painel modificado, com detalhes em neon. Um grande enfeite no retrovisor — um emoji de pelúcia — balançava de um lado ao outro quando fazia as curvas.
O aniversário era numa balada sertaneja e, quando chegamos, as duas mulheres se animaram muito. Na fila, conversei mais com o rapaz, que parecia feliz por eu estar lá e lhe fazer companhia. Perguntei com o que ele trabalhava e ele respondeu que era numa mecânica e que também entregava salgados que a mãe fazia. Não sou alto, mas ele era um palmo mais baixo que eu, e corpulento. Tinha um grande relógio dourado e fumava cigarros Winston.
Lá dentro, fomos a um camarote onde o aniversário estava acontecendo. A aniversariante era amiga das duas meninas e estava sorrindo com uma bebida na mão na frente de dois grandes balões que formavam o número 37. O público ali era bem dividido entre homens e mulheres. O rapaz corpulento não parecia conhecer ninguém muito bem. Em um certo ponto, me contou que vários ali eram bandidos e que ele não gostava muito de estar naquele meio. Ficava com receio. Já as duas mulheres que vieram conosco pareciam à vontade. A que tinha colocado a mão na minha coxa estava entretida numa conversa com alguns desses bandidos.
Depois de algumas horas, o camarote estava no ápice da embriaguez e um homem colocou um braço ao redor do meu ombro e disse que queria saber quem eu era. Chegou sorrindo e depois ficou sério e me olhou nos olhos. Percebi que queria brigar e disse que eu era o filho da mãe que ainda não tinha pagado nada para o camarote, mas que aquilo ia mudar. Apanhei o cardápio e perguntei o que valia a pena comprar. Um outro se animou e indicou uma garrafa de vodca com energéticos. Pedi uma dessas e falei para todo mundo ficar à vontade.
A mulher que tinha colocado a mão na minha coxa tinha beijado um dos homens do camarote e agora estava na pista de dança. A outra estava conversando com a aniversariante, que estava chorando. O rapaz corpulento tinha notado que um dos bandidos queria brigar comigo e, vendo que estavam ocupados bebendo a vodca, propôs de irmos embora. Eram 4 da manhã.
Fomos a um posto não muito distante. Fumamos cigarros e tomamos cerveja. Entramos novamente no carro e nos dirigimos para sua casa, onde comeríamos uns salgados que sobraram do dia. A mulher que tinha colocado a mão na minha coxa ligou nesse momento. Estava no viva-voz. Não conseguia falar direito, de tão bêbada, mas estava irritada por termos ido embora quando o combinado era que voltariam conosco. O rapaz disse que imaginou que elas voltariam com os caras com quem tinham ficado. Ela falou que não queria ficar com aqueles babacas mais, que não queria ir embora com eles.
Acabou que voltamos até lá para apanhá-la. Quando chegamos, alguns dos homens do camarote estavam conversando com ela de dentro de um carro preto. O rapaz corpulento me olhou de canto de olho e acelerou, torcendo para passar despercebido. Rodamos por uma quadra, demos meia-volta e estacionamos de modo que pudéssemos observar a cena.
Ficamos ali uns minutos, até que o carro dos homens acelerou, cantando pneu. Nos aproximamos devagar. Ela entrou no carro, agradeceu a carona e tirou do bolso do casaco um saquinho plástico com cocaína. O rapaz se irritou e perguntou se ela tinha pegado deles e ela falou para ele sossegar que ela já ia dar fim naquilo. Enquanto rodávamos, foi cheirando aos poucos. Vi que o rapaz estava preocupado, olhando pelo retrovisor o tempo todo e ao redor quando parava nas esquinas. Então, chegou numa ladeira, parou o carro e disse pronto, tchau.
— Ai, calma. Cês não querem entrar? — Ela pôs a mão na minha coxa novamente e o rapaz falou que não queria, mas se eu quisesse, tudo bem. Eu respondi que estava cansado.
— Credo, vocês não sabem curtir.
Ela saiu com dificuldade, andando de salto nas pedras. Quase caiu duas vezes.
O rapaz foi xingando essa mulher até chegarmos em sua casa e começarmos a comer os salgados. Então sossegou, esqueceu de tudo aquilo e disse para eu ficar à vontade, que eu estava em casa. Eram quase 7 da manhã e ele falou que ia dormir e que tinha uma cama no quarto do meio, onde eu poderia descansar também. A cama tinha uma colcha de retalhos e ficava logo abaixo de uma janela que dava para outra janela, onde uma senhora fazia faxina. Deitei ali e acho que dormi por umas duas horas. Acordei com barulhos na cozinha. Fui até lá e conheci a mãe do rapaz corpulento, que me ofereceu mais salgados. Comemos, tomando café. Ela gostou de conversar comigo e disse que ia ao culto e perguntou se eu queria ir junto. Disse que sim, pois vi que o rapaz não acordaria tão cedo. Lavei o rosto no banheiro e passei um desodorante masculino que encontrei.
Na igreja, todos me receberam bem, com sorrisos e abraços. Muitas pessoas tinham acabado de sair do banho e estavam cheirosas. Sentamos à frente. A mãe do rapaz gostava de cantar com a mão para cima e, vendo que eu tentava acompanhar a letra, cantando também, sorria e de vez em quando me dava uns tapinhas carinhosos no ombro.
Um dos pastores deu um sermão sobre a vigilância e os perigos das redes sociais e de certos programas da TV. Um outro falou sobre a força do amor frente às lutas cotidianas. Houve bastante música ao final do culto e, quando tudo se encerrou, a mãe do rapaz corpulento me apresentou a algumas pessoas como amigo do seu filho, dizendo que eu era um menino muito bom. Mais pessoas me abraçaram e sorriram para mim. Uma das famílias que estavam lá convidou eu e a mãe do rapaz para um churrasco. Ela disse que tinha que voltar para casa terminar umas encomendas, mas falou para eu aceitar o convite. Daria o recado para o filho dela, de que eu estava na casa deles.
Fui de carona num carro muito velho, com uma criança risonha e falante no meu colo. Estávamos todos muito apertados, mas o clima era bom. O tempo, antes nublado, agora estava mais limpo.
Fui ajudando a montar o churrasco. Arrumei duas mesas e ajudei a avó da casa com a maionese. Os homens ficaram em volta da churrasqueira, tomando refrigerante. Quando os convidados começaram a aparecer, alguém colocou louvores para tocar numa caixa de som JBL. Eu me servi de gengibirra e montei um pão com maionese e linguiça. Brinquei com as crianças, conversei com homens e mulheres e estava para ir embora quando vi o rapaz corpulento entrando com sua mãe. Ambos sorriram, como se não nos víssemos há muito tempo.
Os dois comeram e conversaram com algumas pessoas. O rapaz me disse que tinha que fazer umas entregas de salgados, mas que depois estava pensando em ir a um bar onde alguns amigos jogariam sinuca. Perguntou se eu queria ir junto e eu disse que sim, mas que antes tinha que passar em casa, tomar banho e trocar de roupa. Saí dali, comprei roupas numa loja próxima, peguei um Uber até um posto na BR, tomei banho, coloquei as roupas novas e o encontrei em frente à sua casa.
Fizemos três entregas de salgados e chegamos ao bar perto das 9. Jogamos e bebemos por algumas horas, até que ficamos com fome e alguém lembrou que tinha um outro boteco na quadra de cima, que vendia esfihas. Lá, comemos e pedimos mais cervejas. Um outro grupo bebia numa das mesas. Tinham vindo de um churrasco e começaram a conversar com a gente. Em um certo ponto, o dono do lugar nos deixou escolher as músicas que estavam tocando e eu resolvi comprar uma garrafa de cataia para dividirmos entre todos.
Lá por 3 da manhã, o rapaz corpulento e seus amigos resolveram sair dali e procurar uma balada. Eu me despedi deles e fiquei com o outro grupo, que tinha se animado ao pensar em subir o morro do Anhangava para ver o sol nascer lá de cima. O dono do boteco fechou as portas às 4 da manhã. Nós levamos o que sobrou da cataia e fomos até o pé do morro, apertados num tipo de Jeep antigo.
Nunca tinha subido o Anhangava e não tinha ideia de quanto tempo demoraria, ainda mais no escuro. Éramos seis ao todo, e acho que nosso ritmo era bom para quem estava bêbado. Mas tínhamos que parar com frequência, em alguma pedra ou mirante, para descansar ou para alguém se aliviar no mato. Enquanto esperávamos, tomávamos mais uns goles de cachaça e observávamos as luzes lá embaixo. Em alguma dessas paradas, uma menina que tinha ido ao banheiro caiu, de bêbada ou por não enxergar direito, e o namorado dela foi ao resgate, também sem celular para iluminar, e também caiu. Assim, outra pessoa teve que ir ao resgate, tomando cuidado para não iluminar muito a menina, que tinha as calças abaixadas e que gargalhava. Demorou uns minutos para retomarmos a trilha.
Com o céu clareando, chegamos a um ponto com grandes pedras e que me parecia o cume. Não víamos nada, no entanto, por causa da neblina que tinha se formado. Um dos rapazes do grupo falou que o tempo iria abrir em breve e que era para confiarmos nele. Perguntei se era possível subir ainda mais e ele falou que sim, que ainda tinha um bom trecho até o cume. A menina que tinha caído no mato falou que não aguentava mais e ficou nesse lugar com o namorado.
Tenho lapsos de memória dessa parte, mas lembro de longos trechos íngremes, apoiando em hastes de metal fincadas na rocha. Lembro de sentir vertigem ao olhar para onde tínhamos acabado de subir — uns paredões imensos sumindo na neblina. A cataia tinha acabado e também não tínhamos água ou comida. É a partir daí que tenho mais memória, mas, nesse ponto, já estávamos próximos ao cume e, realmente, quando o alcançamos, a neblina começou a se dissipar.
Comemoramos e ficamos ali caçando oportunidades para enxergar alguma coisa lá embaixo. Curitiba começou a tomar forma aos poucos, e também Quatro Barras e Campina Grande. Depois de uns 30 minutos, era possível ver o céu e, depois de mais 15, quase tudo ao redor. Vários pássaros cantavam. Tiramos muitas fotos e selfies. Fumamos e relaxamos. Em algum momento, o rapaz que fazia o papel de guia me chamou para uma pedra mais alta e indicou o mar lá embaixo, na baía de Antonina.
Levamos muito tempo para descer até onde tínhamos deixado a menina com o namorado. Estávamos cansados demais e o sol já estava ardendo. Paramos diversas vezes, mas sabíamos que tínhamos que continuar porque o calor só aumentaria. Começamos a cruzar com pessoas subindo o morro, mais ou menos equipadas. Ao chegar no falso cume, não encontramos a menina e nem o namorado e eu estava tão cansado que mal avisei os que estavam comigo que ia deitar ali, numa pedra à sombra, e tirar um cochilo.
Dormi por algumas horas e acordei com conversas e barulhos. Abri os olhos e vi que estava no meio de uma espécie de grupo de exploração, como escoteiros ou algo assim, e depois fui saber que eram escaladores. Alguns deram risada do quão perdido eu estava e um rapaz quis saber o que tinha acontecido. Contei sobre a subida na madrugada e ele deu risada. Me ofereceu água e umas bolachas, que aceitei. Ofereci cigarros, que ele aceitou também. Disse para ele ficar à vontade e pegar o quanto quisesse.
Fiquei ali um bom tempo observando as pessoas escalarem. Fui fazendo perguntas para o rapaz que tinha conversado comigo e ele foi me explicando detalhes da atividade. Me falou sobre as cordas e mosquetões e sobre algumas técnicas de escalada. Chegou a perguntar se eu queria tentar subir, mas mudou de ideia, vendo que seria perigoso demais. Fomos conversando e fumando e, perto do meio-dia, uma mulher chegou acompanhada do marido e convidou o rapaz para descer até a sua casa. Iriam fazer uma comida. Vendo que eu estava com ele, me convidaram também, acho que por pensarem que eu também era escalador.
Ao terminarmos a trilha, seguimos a pé por uma pequena estrada de terra, entramos numa Kombi, que era do casal, e seguimos para a casa deles. Fomos recebidos no portão por três vira-latas e um porquinho acinzentado. Eu indaguei sobre o porco e eles falaram que tinha sido uma espécie de resgate e que era de estimação. Fiz bastante carinho em seu queixo, surpreso por ele me deixar e por ser tão carinhoso. Depois de carregar meu celular, perguntei o que cada um gostaria de beber para eu fazer um pedido por aplicativo. Eles falaram que não precisava, mas eu insisti e pedi chás gelados e umas cervejas.
Comemos macarrão e o casal explicou que participariam de um ritual xamânico ali perto mais tarde e não poderiam beber álcool naquele dia. Perguntaram se eu e o rapaz queríamos conhecer o lugar e quem sabe também fazer o ritual. Eu respondi que não, porque tinha bebido bastante na noite anterior e já tinha tomado duas cervejas ali. O rapaz aceitou o convite. Ficamos um tempo descansando após o almoço, até que deu o horário de sair. Fomos a pé até o lugar, que ficava no meio de um bosque onde, além de uma espécie de chalé, havia uma tenda e uma fogueira queimando. No portão, o rapaz que tinha falado comigo no morro ficou nervoso e disse que estava em dúvida se realmente seguia em frente e participava do ritual. O casal conversou com ele e depois um homem alto e magro apareceu e também começou a conversar, sorrindo muito. Ao ver que ele estava se convencendo, me despedi de todos e fui para o terminal.
Havia pouca gente ali e nenhum ônibus à vista. Eu comprei um enorme pacote de salgadinho de milho e uma Fanta Uva no mercado em frente e sentei num banco para esperar a primeira linha que me levasse de volta a Curitiba. Um menino entediado, de chinelos, que parecia estar com a avó e uns primos, se aproximou de mim, sério, e depois me ignorou, caminhando para perto dos parentes novamente. Na terceira ou quarta vez que ele fez isso, ofereci um pouco do salgadinho, e ele colocou a mão na boca, pensativo, e olhou para a vó, que não prestava atenção. Então estendeu a mão, pegou um pouco e saiu correndo.
A notícia se espalhou rapidamente e todos os seus primos vieram me pedir, o mais discretamente possível, um pouco de salgadinho. Acabei lhes entregando o pacote inteiro e a avó me perguntou se eu tinha certeza e eu disse que sim. Pegamos o mesmo ônibus e as crianças, com a boca cheia, sorriam para mim dos bancos da frente e me faziam sinais de positivo de vez em quando.
Encostei a cabeça na janela e fui acompanhando o cenário se alterando. A cidadezinha deu lugar à BR e aos postos e casas e comunidades ao longo dela. O céu estava mudando de cor rapidamente e eu consegui ver o Anhangava ao fundo algumas vezes, brilhando com os últimos raios de sol. Fechei os olhos em algum momento, não para dormir, mas para aproveitar melhor o embalo do ônibus.
Acho que esses são meus momentos favoritos do fim de semana. O final de tudo, quando estou voltando para casa, de onde quer que seja. Quando chego em frente ao meu prédio e olho para as janelas com as cortinas fechadas e tenho a impressão de observar um lugar inabitado. Nessas horas, tenho a impressão de que ninguém mora ali e que ninguém jamais morou. Às vezes, observando o apartamento escuro da calçada, sinto que eu mesmo não existo.