O pau do Brasil

Três poemas de Wilson Alvez-Bezerra
Wilson Alves-Bezerra, autor de “Vertigens”
30/10/2017

Adélia adia o poema das batatas, Adília adia o poema das baratas, Clarice ainda avessa às asas, plantas morangos nos desvãos. Clareza queria, mas não há mais mulher aqui. Carolina cicia parnasianices no Canindé mais sombrio. Ovários roubados. Vaginas vingativas. Adélia família de ninguém, Adília devassa de si, uma Hilda canina uivava, eu poeta carniça. Não há mais mulheres. Fêmeas proibidas em território nacional, até o mandatário brocha reencontrar seu culhão. Culhão não há mais. E agora, cuzão? Sua caralha michada não governa nem a bela recatada. Se tivesse bolas seria bilhar, não solução. Dos dedos agulha do Nosferatu senil escapam seios, sufrágios e centenas de milhares de orides fontelas. Nenhuma ministra na sua lista de compras. Adélia admite a desrazão das batatas. Adília o poder das baratas na carcaça presidencial. Hilda, aleluias obscenas. Adélia, Adília, Carolina, Clarice, Clareza. Quantos dias no meu país, nenhuma mulher a passar. Nenhuma.

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Para cantar as vossas crises, trouxe cisnes, trouxe índios, odaliscas e um jarro. Fiquei olhando o conjunto abismado, um defunto sorri plácido, palácio adentro. Sua boca era cloaca, não óculos sangue-partidos de Allende. Discursava. Um ministro cai, outro ministro sai, um ministro fede. Nas ruas ninguém se mexe. Um pintassilgo repousa entre o lábio e a lábia do acusado. Nem um pio. Cisnes indecisos no espelho d´água bicam profundas plumas de titânio. O presidente indignado desfilava num andor, suas asas derretiam, suas entranhas devoravam, suava. Pisava duro, os ossos enfarinhados. Até que. Apesar de. Vê-se tudo pela fresta dos escudos da guarda, entre bala e bala. Plantas nordestinas que se esfregam no Planalto. A garota incontida inundando-se de chamas. Gritos, gases, tapas. A garota incontida inundando-se de pólvora. Bocas, passos, palmas. A garota inflamável. Milhares de bocas no cerrado cimentado. Com tino, com desatino. Há índios e pretos soterrados sob um sol imenso

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Não renunciarei. Nada nos destruirá. Procurarei não errar, mas, se o fizer, consertá-lo-ei. Repito, não renunciarei. Nem a mim nem a aos nossos ministros. Sei o que fiz. Tem que manter isso. Repito. Todo mês. Ninguém é capaz de melhor detectar as eventuais flutuações econômicas do que a mulher. Ninguém duvide da nossa agenda de modernidade. Ninguém está perseguindo aposentado. Este histrionismo oposicionista evidentemente tem os seus dias contados. Ninguém vai impedir que nós tenhamos o impedimento dessas políticas públicas que nós estamos levando a efeito. Não comprei o silêncio de ninguém. Lançaram o golpe, golpe, golpe e depois passou. Ninguém mais é capaz de indicar os desajustes, por exemplo, de preços em supermercados, do que a mulher. Por uma razão singelíssima, exata e precisamente por que não temo nenhuma delação. Mas acho que não passa o negócio da minha cassação porque eles têm uma consciência política. Não estamos aqui dizendo que, se houver irregularidade, não tem que ser punida, ao contrário. Prefiro ser impopular a ser populista. Não sei como Deus me colocou aqui. Sempre pela garagem, viu? Eis aí uma notícia animadora: depois de 13 anos o Brasil voltou a ser governado por alguém que sabe falar português.

 

Wilson Alves-Bezerra
Rascunho