O nome de amor

Conto de Rodrigo Gurgel
Rodrigo Gurgel, autor de “Crítica, Literatura e Narratofobia”
01/04/2006

O corpo se estende sobre o lençol amarrotado, espreguiçando-se entre os travesseiros que guardam as dobras da noite. A cama oferece o frescor dos tecidos que passaram o dia sob a penumbra. Os lençóis liberam, em contato com a pele jovem, um perfume que provoca sensações próximas às dos sonhos que nos atingem quando, depois que o dia amanhece e acordamos, insistimos em voltar a dormir.

Ela gesticula ao falar. Suas mãos desenham formas desconexas que se misturam ao vozerio das outras mesas, aos nossos corpos debruçados sobre as bebidas ou recostados às cadeiras. Só escutamos sua voz, vibrando enquanto as mãos se agitam e recobrem as palavras com a ênfase dos dedos longos, das unhas esmaltadas de vermelho. Percebo o volume dos seios sob a blusa sumária, dois montículos que me ensurdecem, escondendo-se sob o tecido verde-água, fazendo com que eu me perca no que desaparece sob o decote, no adorável contraste entre a pele nívea e o verde esmaecido. Noto, ao longe, a azáfama do bar, as luzes refletindo nas mesas envernizadas. Mas meus olhos — e meu corpo inteiro — soçobram naquela carne ansiosa.

Em silêncio, ela se estica como um felino entediado. A barra da blusa se ergue, descobrindo as bordas dos mamilos — e, sob eles, a carne que implora para ser oprimida. Movendo um pé contra o outro, tira as sandálias, jogando-as sobre o tapete. Gira sobre si mesma, emitindo um gemido, e oferece-me as nádegas estreitas, presas sob a calça branca que me deixa adivinhar o desenho da lingerie. Vira-se novamente e sorri. Um sorriso que é um pedido, não um convite; uma súplica, não um oferecimento.

Em seguida, todos voltam a falar, as risadas circulam em volta da mesa, semelhantes a um impulso de alegria que se repete de pessoa a pessoa, até perder a força e esgotar-se. Um de nós pede mais bebidas. Olho-a fixamente, enquanto ela ri com a amiga ao seu lado; e quando me retribui o olhar, espero alguns segundos para emitir um leve sorriso.

Uma velha amiga, sentada junto de mim, percebe o jogo sutil e, elevando a voz, elogia o trabalho da jovem, enumera seus atributos de redatora. Ela sorri, orgulhosa, apóia os cotovelos sobre a mesa e toca o copo, mas perscruto os veios de insegurança que tenta esconder, e meu cérebro, incontrolável, alerta-me sobre os perigos do envolvimento, a temperatura de sua pele entre as coxas, o perfume que recobre sua nuca, a diferença de idade.

Uma das mulheres se levanta para ir ao banheiro e todas a seguem. Ficamos, os quatro homens, olhando-nos por alguns segundos, até que alguém conta uma piada suja, rimos, e os comentários picantes se sucedem. Quando nos desviamos para a política, elas voltam, os batons retocados iluminando os sorrisos cujas comissuras denunciam cumplicidade. Minha amiga cede seu lugar, de maneira irrecusável, à jovem. E mal prevejo o fim da noite, os olhos tão conhecidos, agora sentados à minha frente, piscam com insistência, oferecendo-me o novo mimo.

Seu olhar parece entristecer-se com minha falta de urgência, que ela, em sua juventude, imagina ser desinteresse. Os anéis dos cabelos escuros descansam sobre o travesseiro. Ela me estende a mão que reafirma a súplica. Levanto-me da poltrona, dou um único passo para encostar-me à cama, debruço-me sobre seu corpo e, antes que me abrace, agarro-a, viro-a de bruços, prendo a cabeleira entre os dedos, ergo sua nuca e mordo-a. Ela grita, mas permanece imóvel, paralisada, sem saber o que esperar, desejando apenas que tudo aconteça.

Conversamos. Ela dá as costas a um amigo. O que gosto de ler? Ela escreve. Como vejo o mundo? Seu trabalho muitas vezes é entediante. Talvez ela faça pós-graduação. Seu pai… Meus irmãos… A viagem a Porto Alegre no inverno…

A madrugada cresce, o bar se esvazia, um casal de nossa mesa parte, ela me propõe uma carona. Quando nos despedimos de todos, o beijo de minha amiga é mais demorado e sua mão acaricia meu braço com a intensidade de quem me incentiva. No carro, só ela fala, as mãos largando o volante, incisivas e belas contra a luz dos faróis que correm na direção oposta à nossa. Tranqüilo, meus dedos pousam sobre sua coxa como se fosse um gesto habitual. Ela olha atentamente a avenida.

Arranco sua blusa, deito sobre o corpo que é metade do meu, enfio minhas mãos sob seu peito e agarro os seios, cravo meus dentes em suas costas, sufoco-a contra o travesseiro. Depois, misturo minha saliva ao seu perfume. E mantendo-a entre meus joelhos, viro-a para mim, olho o rosto transfigurado na expressão de uma menina lúbrica mas indefesa, e deito-me sobre ela, beijando-a, arrancando os sapatos com os pés, e abrindo sua calça. Meus dedos encontram um triângulo perfeito, de pêlos muito curtos, sobre a vulva pequena. Ela geme e vem abrir minha calça; e sem descolarmos as bocas, arrancamos a roupa. Ergo-me, afasto suas pernas, toco a umidade, enfio meus dedos, lambuzo suas virilhas, seguro a cintura leve e puxo-a para mim, penetrando-a. Ela tem pressa, o corpo se agita, impulsionado pela espera de toda a noite. Mas, não… deve aprender que a demora faz parte do jogo… Olhando-a, mordiscando seus seios, abrindo suas coxas um pouco mais, exploro o interior encharcado de quentura, devagar, deixando-a perceber a dimensão do que esconde de si mesma. E quando a súplica se transmuta em loucura, quando sei que os pensamentos a abandonaram e vejo as mãos se agitarem contra os lençóis, viro-a de bruços novamente, abro-a como o açougueiro que expõe uma peça de carne para esquartejá-la sobre a bancada de azulejos, e fendo-a com violência, prendendo-a contra os meus quadris, até que, aos gritos, ela toca com a mão o meio das coxas, agita-a no ponto sob o final do triângulo de pêlos, e encharcar-me com seu gozo. E rapidamente solta-se de mim, joga-me aos pés da cama e se atira sobre o meu membro, engolindo-o enquanto seus dedos acompanham o movimento da boca, rindo, satisfeita, ao sentir que inundo sua garganta.

À porta do edifício, convido-a para subir. Encontramos uma vaga no final da rua e caminhamos em silêncio, medindo os passos do nosso desejo, deixando os braços tocarem-se casualmente. No elevador, ela fala sobre certo amor da adolescência. Ajeito, com a ponta dos dedos, um anel do seu cabelo que se encosta à alça da blusa. Ela aguarda meu comentário quando saímos para o corredor. Pego a chave no bolso da calça e lembro-me de algo que talvez sirva: — Um escritor francês, François Mauriac, dizia que devemos dar o nome de amor a todos os sentimentos ternos… — e enquanto giro a chave na fechadura, concedo-lhe um olhar e um meio sorriso — …mas ele também concluía que nunca saberemos se é mesmo o amor…

Rodrigo Gurgel

É escritor, editor e crítico literário.

Rascunho