O livro das mesas

Dois relatos das sessões espíritas das quais Victor Hugo participou
Ilustração: Carolina Vigna
31/03/2018

Trad.: André Telles

Domingo, 11 de setembro de 1853

Participam Delphine de Girardin, sra. Hugo, Victor Hugo, Charles Hugo, François-Victor Hugo, Adèle Hugo, o general Le Flô e sua esposa, o conde Henri de Tréveneuc, amigo do general, e Auguste Vacquerie.

A sra. De Girardin diz: Há alguém? Se houver alguém e este alguém quiser falar conosco, que bata uma vez.
O pé da mesa dá uma batida seca.
— Há alguém! — exclamou a sra. De Girardin. Façam suas perguntas.
Fizemos perguntas e a Mesa respondeu.
Delphine de Girardin pergunta imediatamente: Quem és tu?
A mesa ergue um pé e não o abaixa mais.
A sra. De Girardin insiste: Alguma coisa te incomoda? Em caso afirmativo, dê uma batida; senão, duas.
A mesa bate uma vez.
Sra. De Girardin pergunta: O quê?
Losango.
Formávamos um losango, dos dois lados de uma ponta da mesa grande.
Fomos pegar outra mesa, sobre a qual colocamos a pequena. A sra. De Girardin e Charles Hugo posicionam-se na diagonal. A mesa se agita novamente.
O general Le Flô pergunta o que ele está pensando nesse instante.
Fidelidade (responde a Mesa).
O general pensava em sua mulher.
Eu não estava convencido, observa Vacquerie, achava tão engenhoso e inteligente responder fidelidade a um marido que pensa na esposa que atribui a resposta à sra. De Girardin.
Para estar seguro de que não era a sra. De Girardin que agia, Auguste Vacquerie pede para conduzir a mesa junto com Charles, pensa um nome e indaga:
— Em que nome estou pensando?
A mesa gira, se ergue e diz:
Hugo.
Era realmente o nome, confessa Vacquerie, foi nesse momento que comecei a acreditar.
Nos últimos instantes, contudo, a sra. De Girardin parece abalada e pede que não percamos tempo com perguntas pueris. Pressente uma grande aparição.
Como a Mesa declarou estar incomodada pela incredulidade de um dos participantes, pedimos-lhe que o identifique. Ela responde: Louro. Com efeito, o sr. de Tréveneuc, muito louro, era o mais incrédulo de todos. A Mesa não exige que ele saia, mas se agita e recusa a responder. Auguste Vacquerie deixa a mesa, e o general Le Flô o substitui ao lado de Charles. Interrogamos a Mesa sobre sua identidade.
Filha.
O general Le Flô não pensava em sua filha. Auguste Vacquerie acrescenta imediatamente:
— Em quem estou pensando?
Morta.
Todo mundo pensa na filha que Victor Hugo, que ainda não interveio, perdeu.
A sra. De Girardin pergunta: Quem és tu?
Ame soror.
Quatro pessoas ao redor da mesa haviam perdido uma filha: o general Le Flô, Delphine de Girardin e os irmãos Hugo. A Mesa dissera “soror” em latim para esclarecer que era irmã de um homem?
— De quem és irmã? — pergunta o general Le Flô.
Dúvida.
— Teu país?
França.
— Tua cidade?
Nenhuma resposta.
Todos nós sentimos a presença da morta, anota Vacquerie, todo mundo chora.
Victor Hugo intervém então pela primeira vez e pergunta:
— És feliz?
Sim.
— Onde estás?
Luz.
— O que é preciso para chegar a ti?
Amar.
A partir desse momento, os nove participantes ficam cada vez mais abalados.
A Mesa, como que se sentindo compreendida, não hesita mais e responde imediatamente. A sra. De Girardin pergunta:
— Quem te envia?
— Bom Deus.
A sra. De Girardin estimula a Mesa a falar de si mesma: Tens alguma coisa a nos dizer?
Sim.
— O quê?
— Sofrei pelo outro mundo.
— Vês o sofrimento dos que te amam? — pergunta, transtornado, Victor Hugo.
Sim.
— Sofrerão muito tempo? — interroga a sra. De Girardin.
Não.
— Voltarão em breve à França?
A Mesa não responde.
Victor Hugo intervém novamente e conduz as perguntas até o fim:
— Ficas contente quando eles misturam teu nome à oração?
— Sim.
— Estás sempre junto com eles? Velas por eles?
— Sim.
— Eles podem fazer-te voltar?
— Não.
— Mas voltarás?
— Sim.
— Em breve?
— Sim.

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 13 de setembro de 1853

Na presença da sra. De Girardin, escrito por Victor Hugo. Os participantes da sessão não são indicados. (Ata V.H.)

As palavras de Amélia imprimiam à mesa um movimento suave e cadenciado.
Perguntei-lhe:
— Me amas?
A mesa dá uma batida. Convém lembrar que, em consequência da convenção adotada para dizer sim, a mesa erguia um pé e dava uma batida; para dizer não, duas batidas.
Continuei: Conheci-te na Terra?
Duas batidas. Não. Neste ponto, a mesa começa a se agitar com um tremor intenso e quase violento. Prossegui:
— Gostarás de me reencontrar na outra vida?
A mesa quase vira e dá duas batidas, como se colérica; era um não, e um não enérgico.
Levei um susto. Começaram a rir à minha volta. Minha mulher disse:
— Os amores duraram pouco.
A sra. De Girardin diz: Como bate com o pé essa pequena Camélia!
Com efeito, aquelas duas rudes batidas, sucedendo tantas batidas leves e suaves, quase acariciantes, tinham alguma coisa de estranho. No dia seguinte, pensando no que aconteceu, ruminei: “Era como a pata do tigre após a asa do pássaro”.
Rio com os outros, e continuo:
— A morte é desejável para os que fizeram bem nesta vida?
Uma batida. Sim.
— A morte deve ser temida pelos que praticaram o mal?
Duas batidas. Não.
Todos nós esboçamos um movimento, digo:
— Estás enganada. — E repeti a pergunta.
Mais duas batidas. Outro não.
Vacquerie exclama: Ei, atenção! Isso é importante. A alma nega a teoria das recompensas e dos castigos.
Continuei com uma voz severa: Escuta, tu que estás aqui. Não brinques com nossas almas. Pondera que se encontra aqui um pensador que hesita em crer. Tua resposta age sobre ele. Responde então claramente. É impossível haver equilíbrio entre os bons e os maus após esta vida.
— Sim, é — replicou Vacquerie —, ela disse isso duas vezes.
— Pois bem — repito —, responde pela última vez e presta atenção no que vais dizer. Não mintas, proíbo-te. Vejamos: a morte deve ser temida pelos que praticaram o mal?
Até esse momento, o pé da mesa erguera-se do meu lado. Senti que o movimento mudava. Foi o pé à minha esquerda que se ergueu. O pé estava voltado para Vacquerie. Levantou-se bem alto e deu uma batida estrepitosa, estacando em seguida.
Dessa vez era sim.
Nesse instante, as contestações explodiram.
— Isso não conta — diz Auguste.
— Sim — replico.
— Ela está se desdizendo, está divagando — insiste Auguste.
A mesa se agitava com violência e erguia quase convulsivamente as mãos de Charles e as minhas.
A sra. De Girardin exclama: Tudo isso é singular. Aposto que mudou o habitante da mesa. Não é mais Amélia.
Eu digo à mesa: Amélia, responde, você continua aqui?.
O pé se ergueu do meu lado e deu duas batidas violentas. Não.
— Vejam — exclama a sra. De Girardin. — Eu tinha adivinhado certo.
Aposto que é o diabo.
Ergui minha voz e disse: Tu que estás aqui, diz o teu nome.
O mesmo pé se ergueu, deu uma batida, depois outra, e parou.
— É b? — pergunto.
O pé bate sim.
— Continua.
A mesa bate sucessivamente, o, n, a, p…
Estávamos arrepiados. Ela terminou: a, r, t, e.
Demos um único grito! Bonaparte! Minha mulher acorreu, transtornada, juntando as mãos.
— Será Bonaparte? — pergunto.
O pé bateu sim com uma espécie de furor.
— Qual? O grande?
Não.
— O pequeno?
Sim.
Estávamos todos arrepiados.
Insisti: O quê! És tu, que chamam de Napoleão III, que estás aqui?
Uma batida ainda mais irritada.
Sim.
— És tu, Luís?
Sim!
A mesinha chacoalhava nossas mãos, deslizando sobre a mesa suporte como se procurasse escapar. Um silêncio de estupor reinava à minha volta.
— Ah! Celerado — eu digo —, apanhei-te!
A mesa se agitava, contorcendo-se feito um animal que corcoveia. Continuei:
— Quem te envia?
O pé à minha frente se ergueu e ela respondeu, ritmando as batidas e parando com uma batida sobre cada letra designada:
— Meu tio.

NOTA
O livro das mesas, a ser lançado em abril pela Três Estrelas, traz os relatos das sessões espíritas das quais Victor Hugo, autor do clássico Os miseráveis, participou entre 1853 e 1855. As frases em negrito indicam as respostas dos espíritos.

Victor Hugo
Rascunho