Jatobá vivia sozinho desde que ficara viúvo. Professor aposentado, raramente saía de casa, apenas por necessidade. O mundo lá fora não mais o atraía, achava-o sem graça. Havia passado boa parte de sua existência tentando incutir um pouco de cultura humanística na cabeça dos alunos. Poderia ter tido melhores resultados se as cabeças não fossem tão duras e tão desatenciosas, costumava ele dizer. Lembrava-se de uma máxima de Einstein: “A mente que se abre a uma nova ideia jamais volta ao seu tamanho original”.
Recolhera-se resignado à vida particular, onde os únicos companheiros eram os livros que se alinhavam nas estantes de sua biblioteca. Amava-os como se fossem filhos, que, aliás, nunca teve. Mais que isso, eles eram seus amigos de todas as horas.
Entretanto, quando se sentia muito só, Jatobá tinha o hábito de conversar com um interlocutor imaginário que, como tal, era paciente e muito bom ouvinte. Julgava-o o melhor discípulo que jamais tivera. Costuma-se dizer que maluco é quem fala sozinho. Nada mais inverossímil! Pessoas muito solitárias costumam encetar longas conversas consigo mesmo, criando uma figura ilusória para com ela dialogar e assim melhor expor seus pontos de vista.
Jatobá não era maluco nem excêntrico, era apenas solitário. Não monologava, dialogava. E nessas horas sucedia que o assunto era um só, os livros. Gostava de discorrer sobre um determinado autor, uma obra ou sobre um tema que lhe merecia a atenção. Outras vezes, falava orgulhosamente do seu acervo.
Sentado na poltrona de leitura, onde passava grande parte dos dias e das noites, ele costumava dizer ao seu imaginário amigo, os olhos brilhando:
— Meu caro, o que você vê enfileirados ali nas estantes não é uma aglomeração indistinta, inerte. É um conjunto vivo de personalidades. Cada livro tem a sua individualidade, suas características próprias. Cada um com a sua capacidade de transmitir uma mensagem diferente, à sua maneira.
Quedava-se um instante em silêncio, e depois continuava, apontando:
— Repare nas formas: uns volumes são altos, outros baixos; uns finos, outros alentados. Uns têm cores alegres, outros as têm sóbrias. Mesmo os encadernados, vistos de longe parecem iguais, gêmeos. Mas daqui eu distingo cada um deles. Se você chegar mais perto, verá que seus dorsos duros apresentam palavras dispostas diferentemente, formando os nomes dos autores e os títulos. Todavia, prefiro deixá-los ao natural, como saíram do prelo. Só encaderno os que estão em estado precário.
A essa altura do discurso, Jatobá levantava-se e se aproximava de uma estante. Corria carinhosamente o dedo pelo lombo de um livro como se fosse o rosto de uma mulher.
— Uns têm seus títulos escritos de cima para baixo, outros de baixo para cima. Não importa, basta você inclinar a cabeça para um lado ou para o outro. De qualquer maneira, eles são o que são.
Voltava ao seu lugar na poltrona.
— E a diversidade de cores, meu amigo: veja que elas quase não se repetem. Da maneira que você dispuser os livros, seja por qual ordem for, por autor, por assunto, por origem e idioma, sempre haverá, por exemplo, um dorso branco entre dois encarnados, ou um verde ao lado de um amarelo pálido ou de um marrom. Exemplares de cores iguais juntos são tomos de um mesmo livro, de uma coleção ou de enciclopédia.
Fazia outra pausa e concluía, com os olhos brilhando:
— O mais importante, no entanto, é o conteúdo de cada um deles. Uns ensinam, outros informam, aqueles explicam. Uns divertem, outros têm a capacidade de nos deixar reflexivos, perplexos frente ao conhecimento humano.
Pegava o volume que deixara de lado com a chegada do visitante, arrematando:
— E a sensação de bem-estar que a leitura deles proporciona, meu caro, é indescritível. Indescritível!
Dito isso, Jatobá voltava a mergulhar na leitura e o seu interlocutor retirava-se discretamente, como convém a um personagem inexistente.