A mulher ia tranqüila pela calçada, em direção a sua residência, quando percebeu que, da janela de um automóvel, vinha o aceno de um desconhecido. Primeiro olhou discretamente, sem intenção de atender. O homem foi encostando o veículo, e insistiu no aceno, com um sorriso simpático. Ela hesitou em atender. Mas pensou: ora, ele deve estar querendo uma informação. Aproximou-se do motorista e, antes que dissesse algo, ouviu a abordagem inusitada:
— Oi, amor! Para aonde vai? Quer ir comigo, minha linda?
Ela estacou, surpresa por um instante. Imediatamente se refez do susto, e riu divertida, achando a cena mais que engraçada, totalmente bizarra. O homem aguardava a resposta, com uma vaga esperança nos olhos semicerrados diante da intensa claridade do dia.
— Não, senhor; muito obrigada. Eu moro aqui perto.
— Que tal um chope? Vamos bater um papo.
— Não, agradeço pela gentileza.
Aproximando-se, a mulher olhou mais detidamente para o homem. Moreno, ligeiramente calvo, aparentava uns 45 anos. A marca nítida da aliança denunciava que ele a tirara do dedo, a fim de buscar um affair passageiro. Parecia um marido típico, afundado na rotina de um casamento saturado.
— Eu preciso bater um papo com você, amor! — ele insistiu.
— Ah, eu gostaria mesmo de falar com o senhor — disse a mulher, assumindo uma postura mais ativa.
O homem se animou. Então ela estava a fim de papo! Se conseguisse ganhá-la por um instante, seria a glória do dia. A mulher, com um olhar agora incisivo, continuou o diálogo:
— Em primeiro lugar, esse cigarro está lhe fazendo mal.
Ele, no susto, imediatamente esfregou o cigarro no cinzeiro do carro e atirou o toco longe, para demonstrar claramente a sua renúncia.
— Só fumo de vez em quando — explicou, na defensiva.
— Não devia fumar nunca. Isso mata a pessoa aos pouquinhos.
O homem, com o olhar intimidado, prestava atenção à conversa, entre curioso e espantado. A mulher prosseguiu a inspeção:
— Precisa ir à academia cuidar desses pneuzinhos aí…
— Ah, eu vou… semana que vem eu volto a malhar.
— E essa barriguinha de chope? Vai deixar de beber ou não vai?
— Sim, parei a partir de agora — prometeu, cruzando dois dedos sobre os lábios.
— Está acima do peso. Deixe o carro em casa e vá caminhar.
— Sim, sim: meu médico sempre me cobra isso — informou, assombrado.
— Por falar nisso, há quanto tempo não faz seus exames?
— Pois é… — murmurou, já encolhido, como que se agarrando ao volante.
— E tem um exame que precisa fazer logo.
— E qual é? — perguntou, curioso e humilde.
— Está apertando muito os olhos… Faça um exame de vista urgente.
— É, tem razão — concordou, visivelmente vexado.
— E sua mulher? Cuide mais dela, leve-a para passear, viajem juntos.
— Pode deixar, pode deixar… — disse ele, já acionando o motor do carro.
— Se cuide, hein!
— A senhora por acaso é médica? — indagou, num tom respeitoso.
— Sou advogada, casada, e tenho 48 anos.
— Nossa! Eu lhe dava uns 30… — espantou-se, encabulado.
— Obrigada! É que eu não bebo, não fumo, como pouco, faço caminhada, durmo bem, pratico esporte, viajo muito… e sou fiel.
— Ah, bom… eu já vou indo… — ele engatou a marcha, queria fugir dali e enfiar a cabeça no chão.
A mulher sorriu; estava satisfeita com o resultado de seu contra-ataque. Percebeu que o homem, sem graça e desfeito, talvez pensasse consigo mesmo: “Bem que eu podia passar sem essa”. Literalmente. Ele acionou o acelerador e já ia se afastando, quando a mulher fez a última recomendação:
— Tem um exame que deve fazer amanhã mesmo!
— E… qual é? — gemeu ele, quase em sofrimento psicológico.
A mulher sorriu divertida e arrematou o colóquio, enquanto o galanteador esperava o sinal abrir para sumir dali correndo:
— Seu primeiro exame de próstata!