Entraram no bar por volta das cinco da tarde, pediram duas canecas de chope, acenderam cada um os seus cigarros e depois de três ou quatro goles, um fez a seguinte pergunta ao outro:
— Você sabe por que quis vir aqui?
— Não.
— Não sabe mesmo?
— Nem desconfio.
O outro respondeu com um muxoxo enquanto tomava um novo gole de chope.
— Sabe quem costuma vir aqui?
— Não.
— O Alberto.
— Que Alberto?
— Aquele Alberto. O que queria ser santo.
Agora parava de olhar sem foco. O amigo havia capturado a sua atenção.
— Qual é o horário em que ele costuma aparecer?
— Por volta das seis.
— Hora do jantar?
— Exato.
— Ele sempre foi cheio de manias.
— Manias, não. Hábitos.
— Ele dizia que o hábito era uma segunda virtude, lembra-se?
— Lembro sim. Mas há alguma?
— O quê?
— Virtude.
— Não sei. Deve existir. Dizem que existe.
— Ele sempre dizia que existe.
— Tinha de dizer isso. Era o sustento dele.
— Você tem razão.
O amigo se aproximou da garçonete, uma senhora de uns cinqüenta anos, já macilenta.
— Querida, você sabe se o Alberto vem hoje?
— Provavelmente sim.
— Ele sempre vem aqui, não é?
— Claro. Todo o dia, o mesmo horário. Seis em ponto.
— Ele já está um pouco atrasado.
— Nada fora do comum.
— Você sabe se ele mora aqui por perto?
— Sim. Lá no pensionato da Angélica, virando a primeira depois da ponte.
— Muito obrigado, querida.
Voltou-se para quem estava ao seu lado, agora visivelmente ansioso:
— Quer ir lá?
— Para quê?
— Para acabar com a raça dele de uma vez por todas.
— Prefiro fazer isso em público.
— Não foi o que ele fez contigo.
— Bem, as circunstâncias mudaram.
— Mudaram nada.
— O que você quer? Que eu vá lá e dê um tiro na cabeça dele?
— Você já fez isso. Não seria um problema para a sua consciência.
— Você sabe que não tenho mais consciência.
— Sim, eu sei. A prisão tirou isso de você. E a culpa é desse filho-da-puta.
— Pode ser, não duvido. Mas parece que você está mais interessado do que eu.
— Claro que estou. Você foi para a prisão, mas poderia ter sido eu.
— O que, afinal de contas, foi um bom negócio para você.
— Não começa…
— Não é verdade? Se não tivesse ido para a prisão, você não teria casado com a Amanda.
— Não posso mentir sobre isso. Você sabe que tem razão. Mas a culpa não foi minha.
— Sim, foi do Alberto. Já sabemos disso.
— E que tal irmos lá?
— Volto à pergunta: Para quê? E por quê?
— O cara te dedurou…
— Sim. E eu fui para a prisão. E você casou com a Amanda. Teve dois filhos com ela.
— E depois me separei. Vejo-a raras vezes. E ambos estamos fodidos.
— É isso aí: Viva a democracia!
— Viva porra nenhuma. A culpa toda é do Alberto.
— Tem razão. Acho que deveríamos ir lá e matá-lo. Já fizemos isso no passado. Podemos fazer isso agora, não acha?
— Acho que sim. Bons tempos aqueles, hem?
— Quais?
— Aqueles…
— Ah, sim. Aqueles tempos em que assaltávamos bancos e matávamos caixas?
— Correto.
— Tenho de confessar: sinto saudades daquela época. De verdade.
— E que tal?
— Que tal o quê?
— Irmos lá e resolvermos o Alberto. Pelos bons tempos.
— Você está louco? Eu estava só brincando.
— Estou falando sério.
Os dois se olharam. Acenderam cada um outro cigarro. Tomaram mais um gole de chope. Assopraram a fumaça.
— Ok. Vamos lá. Você se lembra das instruções da garçonete?
— Sim, me lembro.
— E como vamos fazer? Não temos arma.
— Vamos esganá-lo.
— Não. Vamos enforcá-lo com o fio do telefone. Deve ter um telefone naquele quartinho.
— Então vamos lá.
Pagaram a conta, saíram do bar, torceram para não encontrá-lo no caminho, seguiram as coordenadas corretas. Na pensão, o porteiro logo avisou: Alberto estava muito doente, o médico tinha ido até lá, não sabia o que era, foi algo surpreendente para todos. Ótimo, pensaram, assim facilitamos a despedida, talvez tenhamos um papel providencial pelo o qual esperamos a vida inteira.
Subiram as escadas, bateram na porta, ninguém respondeu, entraram. Alberto estava deitado na cama, vestido de terno e gravata, as mãos pousadas na barriga, os olhos fixos no outro lado da parede, a tez cinza, os cabelos ralos, os dentes podres e o odor de urina seca impregnando a tubulação e as cortinas da janela. Ele sequer esboçou reação quando os dois se aproximaram da cama.
— E aí, Alberto? Como você está?
Silêncio.
— Parece que você não está nada bem.
Silêncio.
— Parece que você vai morrer.
Silêncio.
— Como isso foi acontecer?
— Pois é — interrompeu o outro amigo — como isso foi acontecer?
— Você era um cara tão saudável.
— Muito saudável.
— Falava sempre de saúde, de virtude.
— Falava sempre que queria ser santo.
— Talvez por isso resolveu nos ajudar, não é?
— Mas não precisava ter nos ajudado tanto.
— Ajudando-nos a ponto de nos transformar em mártires.
— Agora você está aí. Você é um mártir.
— A porra de um mártir.
— E vamos fazer de tudo para que você chegue lá o mais rápido possível.
— Sem dor e sem sofrimento.
— Você quer isso?
— É claro que ele quer.
— Então vamos lá.
Um pressionou os ombros do inválido. O outro arrancou o fio do telefone.
— Está pronto?
— Estar pronto é tudo, meu amigo. Tudo.
Enrolaram o fio no pescoço. Só então Alberto mostrou que sorria. Enquanto o enforcavam, ele lentamente ergueu o braço direito e apontava para o outro lado do quarto. A excitação os impedia de perceber o que era. Quando resolveram ver o que existia no outro lado, encararam o crucifixo de madeira preta, já carcomido por alguns cupins.
Antes de saírem em silêncio, olharam para trás. Alberto continuava com o seu sorriso.
Na rua, um deles tentou vomitar, mas não conseguia. Disse que ia para a casa de Amanda e ela o faria esquecer daquilo tudo.
O outro não soube o que responder. Sequer disse adeus ao amigo. Só se lembrava do sorriso.
Chegou ao bar onde tudo começou. Sentou ao balcão.
A garçonete se aproximou com um risinho maroto:
— E aí, conseguiram encontrar o Alberto?
Ele agarrou com força o braço da mulher:
— O Alberto não existe mais, minha querida. Chame a polícia. Eu o matei — e continuou a apertá-la com força enquanto ela o olhava com uma fagulha de pena e desespero por si mesma — e me veja mais um chope. Estou com uma sede terrível.