O Bode e o Macaco

Fábula de Wilson Bueno
Ilustração: Osvalter
01/01/2007

Ao tempo em que os bichos falavam, e falavam muito, sobretudo uns contra os outros, o Bode estreitou amizade com o Macaco.

Eu, Coruja que sou, cá fico em silêncio, imóvel feito uma estátua. Não venham me dizer, entanto, amados meus, que alguma coisa me escape, seja o que vai debaixo desta árvore onde costumo postar-me; seja o que venha a ocorrer, de bulício ou estrupício, em meio à paisagem que daqui do alto diviso.

O Bode, por exemplo, sabem vocês, do que fez dele o Macaco? De cavalo, confrades. De cavalo. Ah, o Macaco!

Confidência pra cá, confidência pra lá, tititis e fofoquices, eu, filósofa que sou, de longe já intuía colapsos, escombros, não sei… Onde já se viu (alguém aí já viu?) Bode íntimo de Macaco?

Pois foi o que acabou acontecendo. Primeiro, o Bode apresentou duas cabras novas ao Macaco. Este olhou, olhou, examinou as cabras de todos os lados e modos, mormente as tetas, dando, ó meu Deus!, uns beliscõezinhos em cada bico. Se berraram? Claro que berraram ambas as cabras face à sádica torção dos dedos magros nos úberes adolescis. Ó meu Deus!, Macaco nunca me foi mesmo ao bico. Bico? (Epa!). Ô bicho safado é Macaco!

Mas com o Bode, não… Exagerado considerar patifaria do Macaco fazer o Bode de cavalo. Além de levezinho, o Macaco enroscava-se, e bem, transpassando o rabo de um lado a outro da barriga do Bode. A rigor, encilhava-o com a longa cauda. Aquilo, cauda? Grossa e peluda?

O Bode, então, montado assim pelo Macaco, exibia, a todo canto aonde fosse, a pródiga, esfuziante e dedicada amizade ao símio, a fazer inveja a Cabras, Raposas e até Galinhas. O Macaco, por sua vez, fazia jogo duplo, triplo e até quíntuplo, se necessário, na perversa língua solta com que, enojado da oferecida amizade, odiava à boca pequena o Bode. Ah, o Macaco!

Cá do alto, redigo, tudo observo e anoto, Coruja que sou, como esta esquiza parceria entre Bode e Macaco que daqui falo e corvejo, crocito e pio. Corvejo, viram?

Pois não deu outra: bem embaixo da árvore, percebi, como de hábito, o Macaco montado ao Bode. Só que quanto mais o símio exigia: “Jure vossa amizade! Jure!”, mais o Bode berrava. Ou jurava?

Então foi que flagrei, creiam, o crime: o Macaco perguntava e apertava, o rabo, o rabo aquele, pelo barrigame do Bode. Até que o Bode não berrou mais. Foi quando o Macaco ganhou a árvore e está sentado agora, quieto, mirando e remirando o que podemos chamar de um ex-amigo, lá embaixo — repasto daqui a pouco de onça e hiena.

Acho que o Macaco se enjoou do Bode.

Ah, o Macaco!

Wilson Bueno

É autor, entre inúmeros livros, do romance A copista de Kafka.

Rascunho