Poemas de Nikola Madzirov

Poemas do macedônio Nikola Madzirov
Nikola Madzirov, autor de “Preso na cidade”
01/10/2012

Tradução: Viviane de Santana Paulo

Voar

A névoa paira sobre a cidade
como a cabeça inclinada da Virgem Maria
em um distante afresco.

As antenas de satélites conversam
com os anjos sobre
como será o tempo amanhã:
claro, seguro, cheio de significado,
como um calendário
com dados vermelhos.

Mas assim que a noite acoplar
as sombras junto às paredes,
tu fugirás para as hastes
como um pássaro raro
no reverso de uma nota bancária.

Muitas coisas aconteceram

Muitas coisas aconteceram
enquanto a Terra girava
no dedo de Deus.

Os arames se soltaram
dos cabos distantes, agora unem
um amor ao outro.
As gotas do oceano
acumulam-se impacientes
nas paredes das cavernas.
As flores se separam
dos minerais e rastreiam
o perfume.

Do bolso traseiro voam
bilhetes no nosso quarto transparente:
coisas insignificantes que nunca
faríamos, se não
tivessem sido escritas para nós.

Em casa

Eu vivia no final da cidade
como um poste, cuja lâmpada
ninguém trocava.
A teia de aranha mantinha as paredes juntas,
o suor unia nossas mãos.
Na metamorfose da pedra cimentada
descuidadamente eu escondia
o ursinho de pelúcia, para salvá-lo do sonho.

Dia e noite eu revivia o umbral, no qual
eu regressava a ti como uma abelha,
que sempre retorna a mesma antera.
Estávamos na paz quando deixei minha casa.

A maçã mordida não tinha ainda escurecido,
na carta colado um selo com uma casa abandonada.

Desde a nascença movo-me a espaços silenciosos,
e debaixo de mim acumulam-se vazios,
como flocos de neve que não sabem
se pertencem à terra ou ao ar.

A sombra do mundo passa por meu coração

Não possuo a coragem de uma pedra deslocada.
Tu me encontrarás esticado em um banco úmido
exorbitado de quaisquer leitos e arenas.

Estou vazio como uma sacola de plástico
cheia de ar.

As palmas da mãos apartadas, os dedos juntos,
assim eu aponto um telhado.

Minha ausência é um depósito para todas
as histórias contadas e deliberados anseios.

Meu coração está furado por uma costela,
no meu sangue flui cacos de vidro,
e algumas nuvens ocultas nos glóbulos brancos.

O anel na minha mão carece de sombra própria
e lembra o sol. Não possuo a coragem
de uma pedra deslocada.

As sombras passam por nós

Um dia nos encontraremos
como um barco de papel e um
melão que se refresca no rio.
A inquietação do mundo
estará conosco. Com a palma da mão
escureceremos o sol e com
lanternas nos aproximaremos.

Um dia o vento
não mudará a sua direção.
A bétula dispersará a folhagem
em nossos sapatos diante do umbral.
Os lobos seguirão os rastros
da nossa inocência.
As borboletas depositarão o pó
em nossa fronte.

Toda manhã uma anciã contará
sobre nós na sala de espera.
Também o que digo aqui, já foi
dito: esperamos o vento
como duas bandeiras em uma fronteira.

Um dia todas as sombras
passarão por nós.

Os ponteiros do relógio

Herde tua infância do álbum de fotografias.
Transmita o silêncio, que
se expande e contrai como
o vôo de um bando de pássaros.
Guarde na palma das mãos
a bola irregular de neve
e as gotas, que escorre
nas linhas da vida.
Ore tua prece
com os lábios fechados:
as palavras são a semente que cai no vaso de flor.

O silêncio se aprende no útero.

Tente, nascer
como o grande ponteiro após a meia-noite
que logo é ultrapassado pelos segundos.

Tudo

Tudo é carícia.
A neve fechava as asas
sobre a colina, eu fechava as mãos
sobre o teu corpo como uma fita métrica
que apenas mede a dimensão das
outras coisas.
O universo existia,
para que nascêssemos em lugares diferentes,
para que fizéssemos do arco-íris a nossa pátria,
que une dois jardins,
que se desconhecem.
E assim passava o tempo:
cultivávamos o medo dentro de nós,
entusiasmo nascia nos outros.
Nossa sombra afundava
na fonte venenosa,
as palavras pronunciadas se perdiam
e emergiam como cacos na areia da praia,
pontudas e lascadas.
Tudo é recordação.
O sonho estava próximo,
remoto era aquilo com o qual sonhávamos

Nasce a perfeição

Quero que alguém me fale sobre
a mensagem das águas nos nossos corpos,
sobre o ar de ontem
na cabine telefônica,
sobre os vôos, que apesar de todos
os anjos invisíveis, são cancelados
por causa da má visibilidade.
Sobre o ventilador que chora os ventos tropicais,
sobre o incenso que perfuma mais intensamente
quando se espaira — quero que alguém me fale sobre isso.

Acredito que, quando a perfeição nasce,
todas as formas e verdades
se partem como casca de ovo.

Somente o suspiro das suaves despedidas
pode rasgar a teia de aranha
e a perfeição dos países imaginados
poderá adiar a migração secreta
das almas.

E o que faço eu com o meu corpo imperfeito:
vou e volto, vou e volto,
como uma sandália de plástico sobre as ondas
na orla.

,,,

Célere é o século

Célere é o século. Se eu fosse um vento,
eu descascaria as códeas das árvores
e as fachadas dos edifícios nos subúrbios.

Se eu fosse de ouro, esconderiam-me nos porões,
na terra rala e entre brinquedos quebrados.
Os pais me esqueceriam, mas os filhos
lembrariam-se de mim eternamente.

Se eu fosse um cão, eu não teria medo
de refugiados, se eu fosse a lua, eu não
recearia a pena de morte.

Se eu fosse um relógio de parede,
eu ocultaria as fissuras na parede.

Célere é o século. Sobrevivemos aos terremotos mais leves
ao olharmos para o céu e não para a terra.
Abrimos a janela para entrar o ar
dos lugares em que nunca estivemos.
As guerras não existem só porque diariamente alguém
machuca nosso coração. Célere é o século.
Mais alígero do que a palavra.
Se eu estivesse morto, todos acreditariam em mim
quando me calo.


Não sei

Distantes estão as casas com as quais sonho,
distante a voz de minha mãe, que
me chama à ceia, mas corro para os campos de centeio.

Distante estamos como uma bola que erra o gol
e segue para o céu, estamos vivos
como um termômetro, que somente é exato
no momento em que olhamos para ele.

A longínqua realidade me interroga diariamente,
como um viajante desconhecido, que me desperta no meio
do caminho com a pergunta: é este o ônibus certo?
E respondo sim, mas penso: não sei.
Não sei onde estão as cidades de teus antepassados,
as conhecidas doenças e medicamentos
que não possuem a substância da paciência.

Sonho com uma casa na colina de nossa saudade
para contemplar como as ondas do mar desenham
o cardiograma das nossas derrotas e do nosso amor,
como as pessoas acreditam, para não afundar
e caminham para não caírem no esquecimento.

Distantes estão as cabanas onde nos escondemos da chuva
e da dor do veado que morre diante dos olhos do caçador,
mais solitário do que faminto.

O longínquo instante me interroga diariamente,
É esta a janela? É esta a vida?, e eu respondo
sim e na realidade não sei, eu não sei quando
os pássaros começarão a falar sem dizer céu.

Nikola Madzirov
Nasceu em 1973, em Strumica, na Macedônia. Seu primeiro livro, Zaklučeni vo gradot (Preso na cidade), lançado em 1999, rendeu-lhe o Prêmio Studentski zbor. No mesmo ano, publicou Nekade nikade (Em algum lugar em lugar nenhum), ganhador do Prêmio Karamanov. As antologias Vo gradot, nekade (Na cidade, em algum lugar) e Premesten kamen (Pedra deslocada) ganharam o Prêmio Miladinov e o Hubert-Burda. Suas obras já foram traduzidas para 30 idiomas. Madzirov também é tradutor e ensaísta, colabora para a revista eletrônica Blesok e é coordenador da Rede de Poesia Internacional da Macedônia.
Viviane de Santana Paulo

Poeta, tradutora e ensaísta, Viviane de Santana Paulo é autora dos poemas de Depois do canto do gurinhatã (Multifoco) e Passeio ao longo do Reno (Gardez! Verlag) e do livro de contos Estrangeiro de mim (Gardez! Verlag). Seus poemas foram publicados nas antologias Roteiro de poesia brasileira — poetas da década de 2000 (Global) e Antología de poesía brasileña (Huerga Y Fierro).

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