Moinho de sonhos

Conto de João Anzanello Carrascoza
João Anzanello Carrascoza, autor de “Espinhos e alfinetes”
01/10/2005

A mulher e o menino iam montados no cavalo; o homem ia ao lado, a pé. Andavam sem rumo havia semanas, até que deram numa aldeia à beira de um rio, onde as oliveiras vicejavam.

Fizeram uma pausa e, como a gente ali era hospitaleira e a oferta de serviço abundante, resolveram ficar. O homem arranjou emprego num moinho próximo à aldeia. A mulher se juntou a outras que colhiam azeitonas em terras ao redor de um castelo. Levou consigo o menino que, no meio do caminho, achou um velho cabo de vassoura e fez dele o seu cavalo. Deu-lhe o nome de Rocinante.

Ao chegar nos olivais, o menino encontrou o filho de outra colhedeira — um garoto que se exibia com um escudo e uma espada de pau.

Os dois se observaram à distância. Cada um se manteve junto à sua mãe, sem saber como se libertar dela. Vigiavam-se. Era preciso coragem para se acercar. Mas meninos são assim: se há abismos, inventam pontes.

De súbito, estavam frente a frente. Puseram-se a conversar, embora um e outro continuassem na sua. Logo esse já sabia o nome daquele: o menino recém-chegado se chamava Alonso; o outro, Sancho. Começaram a se misturar:

— Deixa eu brincar com seu cavalo? — pediu Sancho.

— Só se você me emprestar sua espada — respondeu Alonso.

Iam se entendendo, apesar de assustados com a felicidade da nova companhia. Avançaram na entrega:

— Tá vendo aquele moinho gigante? — apontou Alonso. — Meu pai sozinho é que faz ele girar.

— Seu pai deve ter braços enormes — disse Sancho.

— Tem! Mas nem precisava — respondeu Alonso. — Ele move o moinho com um sopro.

Sancho achou graça. Também tinha uma proeza a contar:

— Tá vendo o castelo ali? — apontou. — Meu pai disse que o dono tem tanta terra, que o céu não dá pra cobrir toda ela.

— E se a gente esticasse o céu como uma lona e cobrisse o que tá faltando? — propôs Alonso.

— Seria legal — disse Sancho. – Mas ia dar um trabalhão. Temos de crescer primeiro.

— Bom, enquanto a gente cresce, vamos pensar num jeito de subir até o céu! — disse Alonso.

— Vamos! — concordou Sancho.

Sentaram-se na relva. O cavalo, a espada e o escudo, entre os dois. Um sopro de vento passou por eles. Já eram amigos: moviam juntos o mesmo sonho.

João Anzanello Carrascoza

É autor dos romances Inventário do azul, Trilogia do adeus, Elegia do irmão e Aos 7 e aos 40, e diversos livros de contos como Aquela água toda e Tramas de meninos. Suas histórias foram traduzidas para o bengali, croata, espanhol, francês, inglês, italiano, sueco e tâmil. Recebeu os prêmios Jabuti, FNLIJ, Biblioteca Nacional, APCA, Cátedra Unesco, Radio France e White Ravens. Os poemas aqui publicados não fazem parte (aos menos por enquanto) de nenhum projeto estritamente poético do autor.

Rascunho