Poemas de Michael Palmer

Leia os poemas traduzidos "Jardinagem noturna", "A campina", "Autobiografia 13", "Canção idiota", "Tempestade" e "O riso da Esfinge"
Michael Palmer, autor de “Tratamento Silencioso”
29/10/2018

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

Night Gardening

A reader writes to complain
that there are no cellphones in my poems,
so here is one,

its body chrome,
its face a metallic blue.
it’s neither transmitting nor receiving.

A woman from Duluth requests
that I cease sending secret messages
to her in my poems.

This I will do forthwith.

And the blackbird at evening.

She says, You have misrepresented the river
there where it turns

by the holm oak and the bed
of winter hyacinths.

This I will correct.

A recent letter unsigned:
You’ve mangled the citations from Hölderlin,

and none will mistake your skies
for those of Dominikos Theotokopoulos.

Opines a good citizen, concerned parent,
Your nefarious syntax
has affected my first-born —

have you a heart of stone?

And the poem, from its homeless home,
writes of blindsight and silence,

the blackbird at evening,
nothing you can see.

Jardinagem noturna
Um leitor escreve para reclamar
que não há celulares nos meus poemas,
então aqui está um,

Seu corpo é cromado,
a frente, azul metálico.
Não está ligando nem recebendo.

Uma mulher de Duluth solicita
que eu pare de enviar mensagens secretas
para ela em meus poemas.

Isso eu farei imediatamente.

E o pássaro preto à tardinha.

Ela diz, Você descreveu mal o rio
lá onde ele faz a curva

junto ao carvalho e ao leito
de jacintos de inverno.

Isso eu vou corrigir.

Uma carta recente, não assinada:
você mutilou as citações de Hölderlin,

e ninguém haverá de confundir os seus céus
com os de Dominikos Theotokopoulos ,

Opina um cidadão de bem, pai dedicado,
Sua sintaxe nefasta
afetou o meu primogênito —

você tem um coração de pedra?

E o poema, lá de sua casa de sem-teto,
escreve sobre cegueira e silêncio,

o pássaro preto à tardinha,
nada que você possa ver.

…..

The meadow

for Robert Duncan

Resembling a meadow
‘folded in all thought’
a lamp is lit only vaguely remembered
for its form, an elephant
of pale blue porcelain
with trunk curved upward
lightning a room a gift
toward a featureless room
whose walls are lined with children’s books
whose readers are unable to read

A campina

para Robert Duncan

Parecendo uma campina
“guardada em todo pensamento”
uma luminária acesa é vagamente lembrada
por seu formato, um elefante
de porcelana azul clara
com a tromba curvada para o alto
iluminando um quarto uma dádiva
com relação a um quarto sem graça
com livros infantis enfileirados nas paredes
para leitores que não sabem ler

…..

Autobiography 13

The hand has numbers on it.
A plane, a propeller plane, is

crossing the sky. If you connect the dots
a hand is crossing the sky

a hand with numbers on it
is waving hello and goodby.

How vexing to interpreters
who have forgotten how to sleep.

Here, try these, my new glasses.
Note that I have painted the lenses black

as ink. In my pocket I carry a crystal heart
which throbs to an erratic beat.

Remember, at the hour of the rose
the rose will rewrite itself

in liquid redder than ink,
claimed the mayor of our fading town

before plunging from Lover’s Leap.
Such were the passions of democracy.

He landed on a page of paper
near picnickers in a verdant field.

This page of paper is my child,
alas now dead, the mayor exclaimed

brushing blood and bone from foot and head,
and it is for me to become an architect.

I will build you a city on a hill.
Peppertrees will line its streets

and its citizens all will be Jane and Bill,
daughters and sons of palmistry.

On the rude wings of storm
machines that fly will be borne

aloft, carrying you, Jane, and you, Bill,
and music will play of its own will.

Autobiografia 13

A mão tem números nela.
Um avião, um avião a hélice, está

cruzando o céu. Se você ligar os pontos
uma mão está cruzando o céu

uma mão com números nela
está acenando para dizer olá e adeus.

Que constrangedor para os intérpretes
que se esqueceram de como se dorme.

Aqui, experimente, meus novos óculos.
Veja que eu pintei as lentes de um preto

como tinta. No meu bolso eu levo um coração de cristal
que pulsa uma batida irregular.

Lembre-se, na hora da rosa,
a rosa vai se reescrever sozinha

em líquido mais vermelho que tinta,
afirmou o prefeito de nossa decadente cidade

antes de mergulhar do Grande Penhasco.
Assim eram as emoções da democracia.

Ele aterrissou numa página de papel
perto de pessoas fazendo piquenique num campo verdejante.

Esta página de papel é minha criança,
infelizmente já falecida, o prefeito falou

esfregando sangue e ossos do pé e da cabeça,
e estou destinado a me tornar um arquiteto.

Construirei para vocês uma cidade em uma colina.
Pimenteiras sombrearão as ruas

E os cidadãos serão, todos eles, Jane e Bill,
filhas e filhos da quiromancia.

Nas rudes asas da tempestade
máquinas voadoras serão sustentadas

no alto, levando você, Jane, e você, Bill,
e a música, tocando por conta própria.

…..

Idiot song

By permission of the sun,
the arctic chill descends.

In a teacup a storm,
in a sentence the logician’s fate

and poetry an enemy of the state
of things

by the roadside in a ditch
or beneath a buckled bridge.

Now it is our wounds
that make love in the streets,

wounds hastily dressed
with vetiver and mint

while slender poplars bend
amidst the violent winds.

What is your name,
mindless sun?

What idiot song
will mark your end?

Canção idiota

Com a permissão do sol
o frio do ártico desce.

Em uma xícara, a tempestade,
em uma frase, o destino do lógico

e a poesia uma inimiga do estado
das coisas

na beira da estrada em uma vala
ou sob uma ponte metálica.

Agora são as nossas feridas
que fazem amor nas ruas,

Feridas apressadamente vestidas
com lavanda e menta

Enquanto esbeltos álamos se dobram
entre os violentos ventos.

Qual é o seu nome,
desmiolado sol?

Qual é a canção idiota
que marcará o seu fim?

…..

Storm

(for R. H.)

Basho by my bedside
these many years

Little wonder
the roof is leaking

Tempestade

(para R. H.)

Basho na minha cabeceira
por todos esses anos

Não por acaso
o telhado está vazando

…..

The laughter of the Sphinx

The laughter of the Sphinx
caused my eyes to bleed

The blood from my eyes
flowed onto that ancient map

of sand
Ridiculous as I am

often have I been drawn
to such lands

rippling oceans of silence
and the distant, enigmatic glow

of burning shops and burning scrolls
overseen by river birds and mitered beasts

sad-eyed scholars and mournful scribes
omniscient ibises

and in the dust-clogged air
the laughter of the Sphinx

endlessly riddling, endlessly echoing,
loosing the blood’s engulfing tide

O riso da Esfinge

O riso da Esfinge
fez meus olhos sangrarem

O sangue dos meus olhos
escorreu sobre aquele antigo mapa

de areia
Ridículo como sou

com frequência sou levado
àquelas terras

encrespados oceanos de silêncio
e o brilho distante e enigmático

de lojas em chamas e pergaminhos em chamas
vigiados por pássaros dos rios e animais mitrados

estudiosos melancólicos e escribas tristes
íbis oniscientes

a e no ar carregado de poeira
o riso da Esfinge

para sempre enigmático, para sempre ecoando,
libertando a maré de sangue que tudo engolfa

Michael Palmer (Nova York, 1943)
Publicando desde 1971, é classificado ora como pós-moderno, ora como surrealista, ora como abstrato, ora como lírico, ora como… Palmer é, na verdade, um poeta difícil de definir. O que é fácil de perceber, logo numa primeira leitura, é a beleza de seus versos e das imagens que eles nos trazem. O poeta Regis Bonvicino é, no Brasil, seu maior divulgador.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho