Poemas de Michael Longley

Leia os poemas "Em memória de Charles Donnely", "A cachoeira", "Paisagem", "Sonhos", "Clima" e "Sol de outubro"
Michael Longley, poeta anglo-irlandês
27/09/2018

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

In Memory of Charles Donnely

Killed in Spain, 27-2-37, aged 22

I
Minutes before a bullet hits you in the forehead
There is a lull in the machine-gun fire, time to pick
From the dust a bunch of olives, time to squeeze them,
To understand the groans and screams and big abstractions
By saying quietly: ‘Even the olives are bleeding’.

II
Buried among the roots of that olive tree, you are
Wood and fruit and the skylight its branches make
Through which to read as they accumulate for ever
The poems you go on not writing in the tree’s shadow
As it circles the fallen olives and the olive-stones.

Em memória de Charles Donnely

Morto na Espanha, em 27/2/1937, aos 22 anos

I
Minutos antes de uma bala te acertar a testa
Há uma pausa no fogo das metralhadoras, e você tem tempo para pegar
Do chão um punhado de azeitonas, dá tempo de espremê-las,
De compreender os gemidos e gritos e grandes abstrações
Ao dizer, baixinho: “Até as azeitonas estão sangrando”.

II
Enterrado em meio às raízes daquela oliveira, você é
Madeira e fruta e a claraboia que seus galhos criam
Através da qual ler enquanto elas guardam para sempre
Os poemas que você não irá mais escrever sob a sombra da árvore
Enquanto ela cobre as azeitonas caídas e os caroços de azeitona.

…..

The waterfall

If you were to read my poems, all of them, I mean,
My life’s work, at the one sitting, in the one place,
Let it be here by this half-hearted waterfall
That allows each pebbly basin its separate say,
Damp stones and syllables, then, as it grows dark
And you go home past overgrown vineyards and
Chestnut trees, suppliers once of crossbeams, moon-
Shaped nuts, flour, and crackly stuffing for mattresses,
Leave them here, on the page, in your mind’s eye, lit
Like the fireflies at the waterfall, a wall of stars.

A cachoeira

Se for para você ler os meus poemas, todos eles, digo,
O trabalho da minha vida, de uma só sentada, num só lugar,
Faça-o aqui junto a esta hesitante cachoeira
Que deixa cada fundo pedregoso falar o que quer,
Sílabas e pedras úmidas, e então, conforme anoitece
E você vai para casa sob as sombras dos vinhedos e
Castanheiras, um dia fornecedoras de vigas, castanhas-
Em forma de lua, farinha, e recheios quebradiços para colchões,
Deixe-os aqui, na página, no olho de sua mente, acesos
Como vagalumes na cachoeira, uma parede de estrelas

…..

Landscape

Here my imagination
Tangles trough a turfstack
Like skeins of sheep’s wool:
Is a bull’s horn silting
With powdery seashells.

I am clothed, unclothed
By racing cloud shadows,
Or else disintegrate
Like a hillside neighbour
Erased by sea mist.

A place of dispersals
Where the wind fractures
Flight-feathers, insect wings
And rips thought to tatters
Like a fuchsia petal.

For seconds, dawn or dusk,
The sun’s at an angle
To read inscriptions by:
The splay of the badger
And the otter’s skidmarks

Melting into water
Where a minnow flashes:
A mouth drawn to a mouth
Digests the glass between
Me and my reflection.

Paisagem

E agora minha imaginação
Enroscada num monte de feno
Como um emaranhado de lã de ovelhas:
Um chifre de touro repleto
De cracas marinhas.

Sou vestido, sou desnudado
Por sombras de nuvens que correm,
Ou então se desintegram
Como um vizinho, na encosta
Apagado pela névoa do mar.

Lugar de dispersões
Onde o vento rompe
Plumas de voo, asas de inseto
E faz, de pensamentos, farrapos
Como uma pétala de fúcsia.

Por alguns segundos, aurora ou poente
O sol num ângulo
Em que se lê as marcas deixadas:
Pelo buraco do texugo
E os rastros da lontra

Misturando-se à água
Onde um peixinho brilha:
Boca atraída por boca, que
Digere o vidro entre
Eu e meu reflexo.

…..

Dreams

I
Your face with hair
Falling over it
Was all of your mind
That I understood,

At the bottom of which
Like a windfall
I lay and waited
For your eyes to open.

II
I am a hot head
That quits the pillow,
A pair of feet
Numb with nightmare

Near the chilly lake
Of faithful swans
Or the clean mating
Of wolves in the snow.

Sonhos

I
Seu rosto com o cabelo
Derramado sobre ele
Era tudo da sua mente
Que eu compreendi,

Embaixo dele
Como uma fruta caída do pé
Ei fiquei e esperei
Que seus olhos abrissem.

II
Eu sou um esquentado
Que larga o travesseiro,
Um par de pés
Entorpecidos com pesadelos

Junto à lagoa fria
Dos cisnes fiéis
Ou de limpos encontros
Dos lobos na neve.

…..

Weather

I carry indoors
Two circles of blue sky,
Splinters of sunlight
As spring water tilts
And my buckets, heavy

Under the pressure of
Enormous atmospheres,
Two lakes and the islands
Enlarging constantly,
Tug at my shoulders, or,

With a wet sky low as
The ceiling, I shelter
Landmarks, keep track of
Animals, all the birds
In a reduced outdoors

And open my windows,
The wings of dragonflies
Hung from an alder cone,
A raindrop enclosing
Brookweed’s five petals.

Clima

Eu levo para dentro
Dois círculos de céu azul,
Lascas de luz do sol
Como verte a água da nascente
E meus baldes, pesados

Sob a pressão de
Enormes atmosferas,
Dois lagos e as ilhas
Crescendo sem cessar,
Uma mochila em meus ombros, ou,

Com um encharcado céu, tão baixo
Quanto o teto da casa, eu reforço
Cercas, conduzo os
Animais, todos os pássaros
A um pequeno abrigo

E abertas em minhas janelas,
As asas das libélulas
Pendurado na copa de um amieiro,
Um pingo de chuva, cobrindo
As cinco pétalas do sâmolo.

…..

An October sun

in memory of Michael Hartnett

Something inconsolable in you looks me in the eye,
An October sun flashing off the rainy camber.
And something ironical too, as though we could
Warm our hands at turf stacks along the road.

Good poems are as comfortlessly constructed,
Each sod handled how many times. Michael, your
Poems endure the downpour like the skylark’s
Chilly hallelujah, the robin autumn song.

Sol de outubro

Em memória de Michael Hartnett

Alguma coisa inconsolável em você me olha nos olhos,
Um sol de outubro fazendo brilhar a chuvosa doca.
E também alguma coisa irônica, como se pudéssemos
Aquecer nossas mãos nos montes de feno ao longo da estrada.

Bons poemas são tão incomodamente construídos,
Cada torrão trabalhado não sei quantas vezes. Michael, seus
Poemas suportam a chuvarada como o gelado
Louvor na claraboia, a canção de outonal do bem-te-vi.

Michael Longley
(Belfast, 1939)
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho