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das luvas vermelhas de uma recém-nascida vem o esplendor
— yolanda é o seu nome —
por ela guardo o projétil de madeira sob folhagens
e escrevo: ainda não
cerro cortinas
cerro olhos
cerro lábios
no rio desta escritura
espanta-me o que é meu
alumbra-me o derradeiro caracol
esquecido
luminoso
princípio
e fim
cascatas de mil olhos seduzem-se
adormeço na esplanada e observo com desvelo
a pequena incisão na trans desnuda
será a felicidade esse anonimato de ouro
repleto de salitre e luz?
orbito sobre ordinários homens
entre seus urros
e minhas lágrimas
vejo-os passar
como falam alto!
como não dizem nada!
como são violentos
e torpes
esqueço-os!
regresso ao cego que tudo vê
enterro a morte com a lentidão dos seres de terra
aqui não há carro fúnebre, o cortejo se faz a pé
entre rostos estranhos e curiosos
abrigada em musselinas, persevero
lá de dentro, ouço as vozes de topázio:
aposte tudo
sua vida
suas cartas
suas joias
seu destino
entorpecida bebo a mim mesma
celebro meu corpo que envelhece
prenunciando o início do silêncio da carne
também corto meu cabelo com afiado ferro
não mais vocifero, amo
então, observo:
nossos pés de prata
meus céus famintos
nossos demônios
nossos ciclones
meu bracelete de turquesa
meu coração acrônico
minha rocha de granada
nosso unicórnio de luz
meu desfiladeiro diamantado
nossa safira enfeitiçada
meu labirinto de hóstias
nossos retalhos noturnos
nossa urânia de ferro
meu dilúvio de crisópraso
meu desejo de fênix
nosso tesouro de lágrimas
nosso narciso tão jovem
meu cântico mineral
nosso incêndio diurno
nossa dor submersa
nossa gaivota-relâmpago
minha âncora de neblina
nosso araçá bailarino
minha alabarda andante
nosso rouxinol matutino
meu pavão bizantino
minha pétrea via-láctea
nosso cais de sílex
meu naufrágio tardio
nossa mandala de plumas
minha hermafrodita cornalina
meu lúcido apolo
nossos farrapos de seda
minha afrodite celeste
meu ideograma de lágrimas
nosso koan perfeito
que visão!
que liberdade!
e novamente transbordo:
toca-me, ar
toca-me, água
toca-me, fogo
toca-me, terra
toca-me, éter
eis o inevitável:
ardo
ardo
ardo
[…]