Domingo no parque
Na relva descansando
formigueiro carrega meu sonho
só solúvel se atirado ao lago.
Acordo molhada.
Patins fazem trilhas sobre o meu ventre
cujos percalços topográficos já derrubaram três
inclusive aquele menininho ruivo rezinguento
que (do seu skate) me chamou puta.
Há acidentes carentes de prontuário
feitos no silêncio, no sussurro. Num desses,
uma unha pode romper-se
assistida apenas pela lua —
terna bola ferida, vagando bêbada pela madrugada.
Parece-me estar ovulando — fora de tempo.
Creio que de susto.
…..
A Dama Pé-de-Cabra
Migrante essa mulher
que ora desce a encosta
na elegância dos cascos equilibristas —
sem paraquedas.
Na raiz constante das letras
deixa escorrer seus vestígios
o grande silêncio empapado e fresco.
O cheiro de cio percute nas
alheias e atentas narinas
e ela mesma o reconhece nas tetas.
Maná esse leite
a ensinar a fortuna da raça.
Alucinantes os dentes
cavando a alvura
dos nomes. Pois tudo fala
(claro!)
desde que ela berre
soletrando o tempo.
…..
Na montra
Sei que os manequins se enrijecem de frio
com esse freezer pulsando dentro.
A impassibilidade é estéril
e já abortou uma ninhada.
De repente sem mãos
braços virados na direção do prêt-à-porter a vestir
(e a ser portado, de castigo, por dias seguidos) —
ficam ali expostos em óbito. Confundem-se com
jazigos & seus hóspedes. Não
com salgueiros — que estes são móveis —
mas com a chama inerte do cipreste.
Nus, calmos
assépticos (depilação a mel)
trabalham para a obtenção do silêncio.
Tão miseravelmente exibidos na vitrine.
Meu Deus —
como faço para acudi-los?
…..
Versos livres
Num jardim de convento
um mastim rima
(célere, ameaçador)
cativo do verso que (invisível)
o faz avançar possesso.
Mas o animal desatrela-se das tiranas regras
e toma um obscuro curso:
corre desatado sobre a neve
sem claustros, sem átrios, sem compromissos tácitos —
ele mesmo mestre da sua própria sina.
É meio-dia agora
e o cão definitivo
(insolente e destro)
desvia-se
(por livre arbítrio)
da autoridade eclesiástica, saltando a página.