Poemas de Luís Augusto Cassas

Leia os poemas "O Tao", "O silêncio", "Banco do Kharma S/A", "Os mestres do jardim", "A revolução" e "A cura"
Ilustração: Rafa Camargo
01/07/2012

O Tao
do pedicure celestial

quem segue
o caminho dos opostos
tem os pés tortos
enviesados pra dentro
cruzados pro centro

quem segue
o caminho do lado
tem os pés de pato
estilo dez pras duas
no meio-fio das ruas

quem segue
o caminho do meio
usa sapatos sem meias
pisa macio a folha
pra não espocar a bolha

quem segue
o caminho de baixo
os pés ficam um escracho
o chão parece um tacho
mesmo caminhando no capacho

quem segue
o caminho de cima
os pés logo afinam
o vento sopra onde quer
esquece logo mulher

em todos
os caminhos da estrada
há sempre uma unha encravada
mas sigamos ouvindo os galos
ainda que nos cantem os calos

O silêncio

Necessito dos dias cinzentos
em que os mistérios mais puros
tornam-se nojentos
(podres sentimentos)

Mar psíquico arrebentando o cimento
Escolhi não subir à tona
pra não ser executado
pelo próprio pensamento

Favor apaguem as lanternas
quebrem a ampulheta do tempo
vistam de luto as hienas
golpeie-me o martelo do silêncio

Necessito de escuridão
pra lavar o caos da alma
ou uma água-pesada
explodirá o salão

Banco do Kharma S/A

darling
ponha o feeling
no leasing

os seios aponte
novo horizonte
eterna fonte

os dividendos
diva de mais
vida de menos

as ações confira
o desejo transfira
o passado pomba-gira

— mr. kharma
aceitará a promissória
em carne e cama?

à lei ninguém escapa
nem/nem o peão de gravata
ou o capelão da casa branca

a grande arma
é renegociar o dharma
e investir na firma

Os mestres do jardim

um cristo em lótus
um buda em chagas
balançam incandescentes
no terceiro olho
(nascente/poente)
deixando-me caolho

dizem as línguas de fogo
quando buda ora
no mar vermelho
e cristo medita
no rio amarelo
é segredo da flor de ouro

a mim cabe segurar a haste
do pensamento em brasa
e acender o incenso
no altar da casa:
que mensagem de interdependência
trazem as flores da existência?

definitivamente místico
esse convite alquímico
de dois mestres do espírito:
à prece e meditação
abrindo-me os pesados trincos
dos jardins da compaixão

Ilustração: Rafa Camargo

A revolução

girar girar
como um pião
girar girar
no centro do furacão

rumi girando anti-rotação
dissolvendo os hemisférios
no sol do coração

hegel redemoinhando
ascendendo ao reino
das aparências em união

davi — velocidade da pomba —
dançando ao redor da arca
enlouquecendo a tradição

girar girar
como um pião
girar girar
até a compaixão

A cura

quando os olhos
daquele que é
absolutamente nada

chorarem pelos olhos
daquele que é
absolutamente tudo

e as lágrimas claras
do absolutamente todo
lavarem os ciscos dos olhos

do absolutamente nada
então veremos às claras
tudo absolutamente novo

Luís Augusto Cassas

É autor de O filho pródigo: Um poema de luz e sombra e A mulher que matou Ana Paula Usher, entre vários outros. Os poemas inéditos aqui publicados pertencem ao livro A poesia sou eu, a ser lançado em breve pela Imago.

Rascunho