Poemas de Leonardo Garet

Leia os poemas traduzidos "Sinais", "Caderno de escola", "As frutas", "Um só corpo", "Olaria", "Propósito" e "Visitas"
01/09/2010

Tradução: Ronaldo Cagiano

Sinais

Os barcos
A cada espaço de tempo
golpeiam o cais

não alcançam a prudência o costume a ordem das coisas
eles vêm assim
confiantes como cachorros
ou namorados

e põem toda a amplitude do mar
a bater a cabeça contra o casco

deve ser
para que eu festeje meu aniversário
à volta de uma viagem sem fim

deve ser
que o casco estilhaçado
aponta meu dia
para voltar a encontrá-lo.

Caderno de escola

É tarde para que ponhas a roupa
fora de hora

temos que pensar
nos anos empilhados
como cadernos velhos da escola
onde as boas notas
pertencem a outro
definitivamente

todo o ontem tem a nossa estranha assinatura
e teu corpo resiste a desprender-se
como uma fonte

é que meu corpo não te arranca
a roupa a toda hora
teu corpo e meu corpo
envoltos nos cadernos da escola.

As frutas

A derrota das laranjas
se estendeu aos sulcos recém-plantados

caminha-se pisando a cor
apoiando o sapato sujo sobre o gosto

os palhaços colocam laranjas
nas calçadas

vendem-se os venenos
disfarçados de laranjas

e os livros se empilham
e as palavras dos pregadores

e cai como única esperança
a ressurreição verdadeira das frutas.

Um só corpo

As mãos de um ancião
dando a comida
a um cachorro

é algo perfeitamente delicado
como uma célula respirando
assombrosamente musical
como o equilíbrio dos planetas

a língua do cachorro
e a palma da mão
são amantes
que se descobrem

os olhos que já não vêem
e os que ainda vêem

formam um só corpo
que secretamente se acende.

Olaria

Palavras com os punhos para cima
e outras com um agulheiro para olhar por dentro

chaveiros de letras
amarrando chaves de distintas fechaduras

se tiveres tempo
encontrará a tua

a que revela que teu nome não é azul
senão barro.

Propósito

Outra vez pra cima
para a água
a tocar antes o corpo
quando é pureza
e alegria

outra vez amarrando o pacote de meus dias tristes
para deixá-lo em um lugar
onde não me encontre

outra vez
umas poucas palavras
das que vão dando
o impulso completo
da alegria.

Visitas

E quais portas cruzam as palavras
que os mortos dizem nos sonhos

essa sensação de que aqui estiveram
e merecemos sua homenagem

luminosa presença de palavras
mais longas
que a vida.

Leonardo Garet
Nasceu em 1948 em Salto (Uruguay), onde vive e dirige o centro cultural Casa Horacio Quiroga. É contista, poeta e ensaísta. Entre as obras publicadas, destacam-se Pentalogia (1972), Primeiro cenário (Venezuela, 1975), Máquina final (1978), Pássaros estrangeiros (1988), Palavra sobre palavra (1991), Os homens do fogo (1993), Outubro, (1994), A casa do julgar (1996), Os dias de Rogelio (1998), Anabákoros (1999), Cantos e desencantos (2000), Saída de página (2001) e Vigília de armas (2003).
Ronaldo Cagiano

Nasceu em Cataguases (MG). Formado em Direito, está atualmente radicado em Portugal. É autor de Eles não moram mais aqui (Contos, Prêmio Jabuti 2016), O mundo sem explicação (Poesia, Lisboa, 2018), Todos os desertos: e depois? (Contos, 2018) e Cartografia do abismo (Poesia, 2020), entre outros.

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