As duas filhas do açougueiro eram lindas, olhos claros, idênticas. Só não eram gêmeas por uma diferença de três anos. A mais velha esbanjava um corpo perfeito. A mais nova, quase. Parada, era tão magnífica quanto a irmã. Andando, mancava ridiculamente, pendendo para a esquerda. Coisa de nascença.
Enquanto a mais velha era disputada por todos os olhares do bairro, vigiados por Valdir detrás do balcão, a manquinha arrancava pena quando passava. A mais velha arrumou namorado chique, carro novo, promessa de casamento e tudo. A manquinha decidiu que não queria ninguém. Bastava para si a vergonha.
Pedroca tinha duas paixões. A filha maior do Valdir, e dar uns picotes na veia. Estava marcando a filhinha querida do açougueiro havia algum tempo. Um dia tomava coragem. Não precisava de carro novo, só de coragem. Ela veio.
Sabia quando Valdir recebia o caminhão do frigorífico e ia para o fundo do açougue conferir as carcaças que chegavam. Deu um picote para perder o medo. Coisa leve, pra não ficar muito pirado, queria curtir o momento. Pulou a cerca e agachou-se ao passar pela janela. A porta dos fundos estava aberta. Enfiou a máscara na cabeça e foi-se esgueirando para o quarto.
Encontrou a filha do açougueiro deitada, de shortinho e sutiã. Fez psiu com o punhal na mão e foi arrancando tudo. A menina congelou. Ele fez rapidinho, apesar de ser muito difícil de entrar. Ela gemia calada. Fez e se foi, nem viu o sanguinho.
Pedroca deu o sumiço, espalhou que tinha umas viagens para fazer. Depois de alguns meses sem ouvir qualquer notícia do ocorrido, decidiu dar uma circulada. Notou o Valdir meio cabisbaixo na porta do açougue. De tardezinho, viu a manquinha recolhendo roupas no arame. Viu também que estava meio gorda, o que tornava seu caminhar ainda mais ridículo.
Informou-se pelo bairro e soube que a menina começara a ganhar barriga de repente e não dissera nem ao açougueiro de quem era a culpa. Enquanto isto, a irmã mais velha tinha casado de vestido branco, com lua-de-mel em Caldas da Imperatriz.
Pedroca se abalou. Só podia ser seu o filho, porra. Escorreu uma lágrima no lado esquerdo. Só uma. Resolveu conversar com a moça. Esperou o dia do caminhão do frigorífico, para não desafiar o Valdir. Chamou a menina ao portão. Perguntou se já tinha nome a criança. A manquinha disse que seria Cristiano, que nem o da novela. Droga, era guri. Seu filho era um guri, porra. Não podia deixar que se chamasse Cristiano. Perguntou do pai.
“Não tem”, disse a manquinha.
“Agora tem”, decretou Pedroca. “O nome vai ser Toninho. E ai de você se ele andar torto.”
Valdir sabia das maloqueiragens do Pedroca, mas não teve muita alternativa. A coitada já mancava daquele jeito, embestara de ter o piá, então pelo menos que o guri tivesse um pai, por pior que fosse. O casório aconteceu em duas semanas.
Depois da cerimônia, foram de ônibus pra Matinhos, pousada das Famílias. Ele deu um picote no banheiro e foi se infiltrando entre as pernas dela, evitando olhar para a barriga. Pelo menos dessa vez não ia engravidar ninguém. Ela gemia calada.
Quando ele começou a tremelicar, ela esticou a mão para trás e alcançou o cabo de madeira debaixo do travesseiro. Golpeou tantas vezes, até sentir náuseas com o perfume barato que se misturava ao odor de sangue. Correu para o chuveiro, mas parecia que aquele cheiro de Lancaster ficaria para sempre impregnado. Pelo menos agora o guri se chamaria Cristiano.