Galácticas

Conto de Jules Rimet
01/05/2006

Para Rachel

Um estímulo qualquer, que me tire desse marasmo em que vivo no momento: uma mulher casadoira, um tiro no vizinho pierrô, uma excitaçãozinha de merda que dê pelo menos para transar uma masturbaçãozinha, álcool… álcool é possível e bem sei que enquanto existir o álcool nem tudo estará perdido.

Ho-ho-ho… uma garrafa de rum…

Porque nós, homens, vivemos num mundo de ar rarefeito. A cada vinte minutos, esquecemos de respirar e pensamos em sexo, depois voltamos ao estado letárgico do resto da vida no planeta: quase em piloto automático. Mas a ausência de ar, o tornar-se momentaneamente absorto, o sexo que ronda a intervalos regulares por nossos cérebros, no fundo é o que nos move vida afora, algo como uma pausa para o cafezinho que na verdade é uma pausa para a sacanagenzinha: nosso vacatio tempus.

Além do que, pesado tudo o que deve ser pesado, um intervalo vinteminutamente não é nem tanta coisa, considerando todo o resto, como o intervalo para o cafezinho, por exemplo, que a gente aproveita para pensar em sexo, ou o momento do cigarrinho, quase inteiramente tomado para falar de sexo.

Sem tempo vago, portanto.

E ademais, considerando o tempo sob a perspectiva da relatividade e da astronomia, o que se perde nesses momentos? Claro que se pode ganhar em criatividade, em planejamento, em articulação. O que se perde?

O que são alguns segundos frente a todo o universo? Ainda se a mente fosse mais rápida que a luz, haveria mais vantagens a se contar. Mas também não acredito que a mente seja tão mais lenta assim. Acredito mesmo que a velocidade da mente está um tiquinho só abaixo da velocidade da luz, alguma coisa em torno de duzentos, duzentos e trinta mil quilômetros por segundo. Ou ainda que fossem meros quarenta e dois, quarenta e dois mil quilômetros por segundo, a coisa pode ser considerada bastante veloz, como aliás é grande parte de nossos pensamentos acerca do sexo: um segundo ou menos, a cada vinte minutos ou, em perspectiva, a cada mil e duzentos segundos, é nada, quase nada, um tiquinho mais que nada, frente ao universo. Ainda que fossem quarenta e dois segundos de pensamento voltado exclusivamente para o sexo, o que seria esse tempo todo em comparação com os mil e duzentos segundos anteriores e posteriores? É o que eu disse: um tiquinho mais que nada.

E é justamente nesse tiquinho de tempo que a gente voa para debaixo de saias, que a gente escorrega em decotes e pernas, que a gente se perde quase sem salvação entre os fios esvoaçantes dos cabelos, e fica pendurado num largo sorriso que passa, ou tropeça nalguma coisa enquanto olha aquela bunda que vai passando em direção ao passado, enquanto nossa mente fica todinha alerta num futuro de sonho.

E daí que é isso que nos faz homens, ora bolas.

Qual é o tamanho do seu busto?

— Ah, acho que é 42.

Só podia ser mesmo quarenta e dois, esse número áureo. Por quê? Ora, apenas porque a resposta para o enigma da existência da vida, do universo e tudo o mais é quarenta e dois. Não parece uma resposta decepcionante?

— Então você quer dizer que o meu seio é decepcionante?

Quero dizer que o seu seio é uma possível resposta para o enigma da existência da vida, do universo e de tudo o mais.

Por exemplo: a viagem sideral, que empreendemos, nada mais é que a busca pelo velocino secreto de todo homem: uma via-láctea inteirinha formada por seios intumescidos.

Á-lá. Tá vendo aquela estrela pulsando? Que estrela que nada: biquim de mamilo inchadim inchadim.

Alguns céticos dizem ser lenda, mas eu, ah, eu sou um romântico irrevogável e prefiro acreditar nesse mito do que naqueles outros que falam de anjos e vacas.

A mulher é um ser galáctico, camará. E não tem nada com vênus ou marte, não. Ela flutua no céu de nossos olhos para cá para lá para cá para lá. Hipnotizante.

Uma vez, por outro exemplo, eu marquei um gol de peito — coisa impensável nos meus quinze anos de perna de pau e chute canhestro — que deu a vitória ao time do purezinha, e dediquei a festa todinha às mulheres do meu Brasil. Ganhei um beijo de Tóda, a gordinha que se fazia de Louis Lane para dar bitoquinhas no Clark Kent aqui, e o dia, porque foi meu primeiro beijo de língua, numa época em que beijo de língua era coisa que não se fazia nem com a namorada. Explico:

No século passado, nós meninos discutíamos acerca de tudo, no entanto esse tudo se reduzia apenas a sexo: o que fazer antes, o que se poderia durante e como agir depois. Formávamos uma idéia de como deveriam se desenvolver os relacionamentos, grande parte com base nos exemplos doentinhos que tínhamos em casa. Por isso: beijo de língua, só com garota fácil; com a namorada, só carinhozinho nos cabelos e passeio de mão dada. Transar, então, jamais poderia ser com a namorada porque, afinal, deduzíamos ignorantinhos de souza, se a garota desse pra gente talvez — quem é que ia saber? — tivesse dado para outro também, e como é que a gente podia casar com uma garota que já foi usada? Talvez até por um amigo, um conhecido. Assim:

Dividíamos as mulheres em: aquelas para namorar versus aquelas para transar. Apesar de nenhum de nós ter ainda conseguido experimentar as garotas da categoria seguinte. Éramos virgens e, como todos os jovens de sempre e até hoje, ignorantes crentes de que tudo se desenvolveria conforme planejávamos em nossa solidão de mãos.

O primeiro a conseguir transar e, portanto, o nosso herói imediato, foi Joelmo. Se bem que muitos de nós duvidávamos das façanhas que ele coloria, a cada hora, em versão mais vermelha. De noite certamente cada um fazia na punhetinha solitária a fantasia do próprio descabaçamento.

Fátima fora a garota que, no dizer do próprio, Joelmo comera, e desde então eu acompanhava Fátima pelos pastos da vida. Eu, um mugido adolescente rondando o sítio da garota, cavando oportunidades quase que com pés-de-cabra, olhando comprido de longe a fumaça que saía da chaminé e calculando: agora a janta… agora se apronta pra ir pra rua… agora deve já tá quase saindo. E desistia no mais das vezes, quando ela passava por mim, pela trilha, em direção à rua. A rua: nosso ponto de passeio e único divertimento. Para cá para lá.

Naquela época, no século passado assim como ainda hoje, quarenta e dois segundos era o tempo que o adolescente usava para não pensar em sexo e guardava para se preocupar com todas as demais coisas da vida: dever de casa, prova, atividades para a mãe, obrigações com o pai, etc., etc. Os vinte minutos eram guardados para a luxúria. Era um tempo feliz e dramático: Sophia Loren, Brigitte Bardot, Marlene Dietrich, Greta Garbo… era também uma época de punhetas dramáticas.

Sei lá, mas eu achava que depois que perdesse a virgindade todas as mulheres cairiam aos meus pés, oferecendo seu sexo. Afinal, nada explicava o fato de os adultos, teoricamente, comerem tantas mulheres e nós, pirralhos imberbes que se barbeavam, sermos deixados na mão. Diuturnamente. Olhando estrelas no teto do banheiro.

Depois eu cresci e vi que a gente continua assim: olhando as mulheres, esses seres galácticos, piscando num céu distante, distantes demais, estrelas demais, num céu grande demais.

Sei muito bem que vez por outra um sortudo colhe uma estrela cadente. Eu colhi.

Jules Rimet

Autor de diversos contos e poesias publicados em diversas revistas eletrônicas, entre elas Paralelos.org, Fraude.org e Patife.art.br. Também aguarda a publicação de dois livros de contos, Cant’áridas e Dolorosa aprendizagem da agonia. Mora em Campos dos Goytacazes (RJ).  Publica no blog http://imagina.blogspot.com.

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